Os desejos por alimentos calóricos e ricos em açúcar podem parecer apenas uma questão de preferência, mas têm raízes profundas no funcionamento do cérebro. Com a dopamina atuando como um combustível para o sistema de recompensa, o simples cheiro de uma comida pode acionar um ciclo de prazer e repetição.
Chocolate, pizza, hambúrguer, batata frita: não é incomum que as pessoas sintam vontade de comida de algum tipo – geralmente aquelas mais hiperpalatáveis, ricas em gordura e açúcar adicionado. “Muitas coisas podem acionar esses desejos, desde cheiros ou pistas visuais. Em alguns casos, até ouvir alguém falando de algum alimento já é capaz de aguçar os sentidos e fazer a boca salivar”, explica a endocrinologista Dra. Deborah Beranger.
Segundo a médica, no caso da comida, isso acontece porque os sistemas sensoriais acionam os caminhos motivacionais ou de recompensa no cérebro. “Você não precisa ver a comida em si, mas pessoas, lugares e coisas que lembram você de uma comida que é gratificante farão isso. Esse sinal motivacional vai disparar em nossos cérebros”, acrescenta.
A Dra. Deborah Beranger explica que os desejos por comida estão ligados ao sistema de recompensa do cérebro, que envolve a dopamina, um neurotransmissor importante para a motivação e o prazer. “O problema é que viver com muitos efeitos dopaminérgicos pode ter impactos negativos, dependendo do equilíbrio e da intensidade da dopamina, com efeitos como dessensibilização ao prazer, desregulação emocional e desafios na regulação de apetite”.
Segundo a médica, a exposição a sinais relacionados a alimentos pode aumentar a frequência cardíaca, a atividade gástrica e a salivação, bem como um padrão de respostas em várias vias no cérebro associadas à recompensa. “A estimulação alimentar também demonstra ativar o metabolismo da glicose, o processo necessário para transformar alimentos em energia, e a liberação de dopamina, o químico cerebral envolvido na motivação para coisas gratificantes e que nos fazem sentir bem”, explica.
A Dra. Deborah Beranger explica que desejo e fome são diferentes e podem ocorrer sem estímulos. Um exemplo disso é quando alguém se priva de um alimento, que seu cérebro identifica como gratificante, e não consegue parar de pensar nele.
“Essas vias de recompensa estão conectadas às regiões de tomada de decisão em nosso cérebro. Uma parte do cérebro, atrás da testa, acrescenta o conceito de valor. Você sente o cheiro de um bolo de chocolate e pensa no alto valor que ele tem porque terá um gosto bom e será recompensador. A recompensa é um sinal poderoso”, explica a médica.
Quando há a efetivação disso – e a comida é ingerida – há um aumento na liberação de dopamina. “Esse aumento cria uma sensação de prazer e recompensa, reforçando o comportamento que levou a esse prazer”, afirma.
Há uma razão evolutiva para tal processo. “O acesso à comida era escasso, então o nosso cérebro foi moldado a procurar comida rica em calorias e consumi-las em excesso. Achávamos gratificante comer essa comida porque ela nos ajudava a sobreviver”, diz a Dra. Deborah Beranger.
Conforme a médica, mesmo após anos, ainda há no corpo humano o circuito cerebral que cria a sensação de recompensa ao comer. “Agora, na maioria dos países desenvolvidos, há uma abundância de acesso à comida, e fazemos pouco trabalho para obtê-la. Mas, mesmo assim, não é incomum que as pessoas criem um feedback positivo com relação à comida. Então, quando você come algo que satisfaz esse desejo, a dopamina se libera ainda mais, criando um ciclo que reforça o comportamento. Isso pode levar a uma maior probabilidade de você buscar esse alimento novamente no futuro”, explica.
Segundo a médica, o consumo de sódio, açúcar adicionado e gordura saturada causa uma alta resposta de recompensa que molda o comportamento humano e nos faz querer nos envolver com ele novamente.
Apesar de difícil, a procura por alimentos altamente prazerosos pode ser superada. Conforme a médica, a distração é um caminho, como procurar outras coisas para fazer. Outra estratégia é entender e “abraçar” o sentimento, mas sem dar continuidade à ação.
“Reconheça esse desejo, tente entender por que ele está acontecendo, mas não dê continuidade. Com o tempo, o cérebro responderá de outra forma e o desejo diminui. A parte do cérebro que agrega valor e está vinculada ao sistema de tomada de decisão também recebe informações do sistema cognitivo, então parte de nossa decisão racional”, esclarece.
O problema, conforme a Dra. Deborah Beranger, é que as pessoas geralmente não esperam – a reação é quase imediata. “Altos níveis de dopamina podem aumentar a impulsividade e, no contexto alimentar, a exposição constante a alimentos altamente prazerosos pode interferir na regulação do apetite e levar ao desenvolvimento de padrões alimentares não saudáveis, como comer em excesso ou desenvolver distúrbios alimentares”, alerta.
Mas, ainda assim, dá para se ajudar. “Reduzir a exposição a estímulos alimentares é um bom caminho. Modifique as partes do seu ambiente alimentar que puder, para que você tenha menos exposição e menos acesso a alimentos altamente tentadores que não são uma parte saudável da dieta”, explica
Segundo a médica, quanto menor for a exposição e maior o trabalho para obter esses alimentos, tudo isso, ao longo do tempo, reduzirá os desejos. “A questão é a seguinte: o seu desejo é tão forte que você levantaria do sofá e iria ao mercado a pé para comprar esse alimento? Na maior parte das vezes, só adicionar um obstáculo já é suficiente para frear o desejo”, afirma. “A maioria das calorias é consumida em casa. Se você não tem acesso fácil aos alimentos que mais deseja, não precisa usar tanta força de vontade para resistir a eles”, finaliza.
Por Pedro Del Claro