O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou nesta terça-feira, 4, que “vacinação não tem relação com aula” ao comentar se o esquema de imunização de crianças de 5 a 11 anos seria finalizado antes do início do ano letivo. De acordo com o chefe da pasta, as doses pediátricas da Pfizer devem chegar ao Brasil na semana do dia 10 de janeiro.
Especialistas alertam que o prazo é curto e as crianças deveriam ser totalmente vacinadas antes do começo das aulas presenciais. Na maioria dos Estados, o ano letivo começa em fevereiro. Na visão dos epidemiologistas, as crianças vão voltar às aulas apenas com a primeira dose aplicada, ou seja, sem a imunização completa.
Queiroga disse que é preciso “parar de criar espuma em relação a questões que são secundárias” no enfrentamento da pandemia da covid-19. “Vacinação não tem relação com aula. Inclusive, a Unicef já apontou isso, a ONU (Organização das Nações Unidas), a Organização Mundial de Saúde”, afirmou o ministro, sem detalhar a informação.
Questionado se a vacinação não seria uma forma de garantir uma segurança maior para as crianças, o ministro reagiu. “Você leu o estudo que saiu publicado no New England Journal of Medicine sobre a vacina de 5 a 11 anos? Tem que ver. Lê uma consulta pública, lê o documento que está lá”, afirmou.
“Se a gente vai tomar as decisões baseado em estudos randomizados, em ciência de melhor qualidade ou se toma só baseado em opinião de especialista. Às vezes, são especialistas que não são tão especialistas assim.”
A aplicação da vacina da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos está autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 16 de dezembro. O Ministério da Saúde, no entanto, ainda não anunciou publicamente um cronograma para a imunização deste público.
O ministro disse que o cronograma com a entrega das doses pediátricas será apresentado nesta quarta-feira, 5. Hoje, o Ministério da Saúde promove uma audiência pública sobre a vacinação das crianças, na qual serão ouvidos representantes de entidades médicas e outros conselhos. Queiroga afirmou que trata-se de uma “audiência como outra qualquer” e que “não tem novidade nenhuma”.
“Tudo isso para propiciar um amplo debate para ajudar os pais a tomarem as melhores decisões para os seus filhos”, disse. “Nós teremos as doses, como todos já sabem e os pais podem, livremente, dentro do que o Ministério da Saúde estabelece e que eu espero que seja seguido por Estados e municípios, levarem seus filhos para vacinação se assim desejarem.”
A vacinação das crianças é um tema que enfrenta dura resistência do presidente Jair Bolsonaro e de sua base ideológica. Bolsonaro entrou em conflito com técnicos da Anvisa após dizer que divulgaria os nomes dos servidores que autorizaram a aplicação do imunizante da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos. O presidente afirmou também que as mortes de crianças por covid não justificam a adoção de uma vacina contra a doença e informou que não vai imunizar sua filha Laura, de 11 anos.
Início das aulas
Especialistas alertam que as crianças deveriam ser vacinadas antes do início do ano escolar, mas revelam apreensão com o prazo curto – na maioria dos Estados, as aulas presenciais começam em fevereiro. Com isso, na visão dos epidemiologistas, as crianças vão voltar às aulas apenas com a primeira dose aplicada, ou seja, sem a imunização completa.
“Dá para iniciar a vacinação, mas será muito difícil conseguir vacinar todas, pois são cerca de 20 milhões de crianças, lembrando que a proteção ideal é feita com duas doses com intervalo mínimo de 21 dias”, lembra a epidemiologista Carla Domingues, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde de 2011 até 2019.
Ethel Maciel, epidemiologista da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), concorda. “As crianças vão conseguir tomar apenas a primeira dose. Nós deveríamos ter iniciado a campanha em dezembro”, opina.
As crianças vão voltar às aulas sem a imunização completa mesmo que o processo seja rápido, como explica o infectologista Julio Croda. “Após a chegada das vacinas, a logística de distribuição para os Estados e daí para os municípios leva uma semana. Esse seria o prazo para começar a vacinar as crianças”, diz o professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. “Vamos começar a vaciná-las, mas vai ser bem difícil concluir o processo”, afirma.
Além do prazo apertado, os especialistas mostram preocupação com a falta de uma campanha de mobilização. Para Carla Domingues, distribuir as vacinas e esperar a demanda espontânea da população não são ações suficientes. “A gente não tem uma comunicação forte do governo falando que são vacinas seguras e eficazes. Por outro lado, existem fake news que propagam a não vacinação. Isso também tem de ser avaliado no impacto da vacinação nas crianças”, alerta.
Julio Croda usa a expressão “desafio da comunicação” para argumentar que as medidas propostas pelo governo federal, como a necessidade de consentimento da mãe e do pai e de prescrição médica são empecilhos para a vacinação. “Isso não foi exigido para nenhuma vacina do PNI (Programa Nacional de Imunizações). Também não foi necessário para vacinar os adolescentes contra covid, considerando que são menores de idade. Isso vai dificultar o acesso”, prevê.
Por Julia Affonso/Estadão Conteúdo