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Categorias: Mundo
| Em 7 anos atrás

Trump aprofunda os dilemas da Europa

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Em 1966, após longos anos de atrito, a França retirou suas Forças Armadas do comando da Otan. A aliança ocidental, argumentava o presidente Charles de Gaulle, usurpava a soberania francesa.

A decisão incluiu a ordem pela retirada de soldados americanos no país desde 1944, quando os Aliados liderados pelos EUA libertaram a França do nazismo.

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Por ordem direta do então presidente americano, Lyndon Johnson, o secretário de Estado Dean Rusk indagou a De Gaulle: “Isso [a retirada] inclui os americanos mortos nos cemitérios militares também?”. O francês não respondeu, e os cerca de 60 mil cadáveres seguiram nas 25 necrópoles da Primeira e da Segunda Guerra Mundial.

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O ríspido encontro mostra que tensões sobre os caminhos do Ocidente depois de 1945 não são novidade.

Quando a chanceler alemã, Angela Merkel, disse que a Europa não podia mais confiar nos EUA e deveria andar sozinha, analistas decretaram o fim da ordem vigente.

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Evidentemente, são pirotécnicas as ações do presidente Donald Trump. Na semana retrasada, ele não quis se comprometer com a cláusula pétrea da Otan, que é a defesa de qualquer um dos 28 membros pelos outros em caso de agressão externa.

Na quinta (1º), Trump causou furor global, retirando os EUA do acordo climático fechado em Paris em 2015. Cumpriu o que dissera em campanha, algo pouco comum no Ocidente em choque.

Se tem parca justificativa no caso do clima, dadas as evidências científicas, foi preciso ao dizer anteriormente que a Otan era “obsoleta”.

Ato contínuo ao resmungo de Merkel, Trump tuitou o corolário: a Alemanha, maior economia europeia e quarta maior do mundo, deveria pagar mais contas de defesa.

O gasto militar de Washington totaliza 72% dos US$ 918 bilhões (R$ 3 trilhões) empregados em defesa pelos membros da Otan. O de Berlim, 4,3%.

Se o número de engajamentos dos americanos pelo mundo justifica o abismo, em proporção do Produto Interno Bruto a comparação ganha nuance: americanos gastam 3,6% com defesa, contra 1,2% dos alemães, que só pretendem chegar aos 2% recomendados pela própria Otan na próxima década.

Se de 1949 a 1991 a aliança existiu para conter uma invasão soviética da Europa, a dissolução do império comunista lhe tirou razão de ser.

A expansão a leste, com a aquisição de 12 membros antes na esfera soviética, teve um custo: o ressentimento russo, personificado nas ações militares de Vladimir Putin na Geórgia (2008) e Crimeia (2014). Se elas pareciam dar sentido renovado de missão, o “virem-se” decretado por Trump colocou um ponto de interrogação na Otan.

Não menos porque apareceu no momento de ressurgimento de nacionalismos, contido por ora com a aposta francesa na incógnita chamada Emmanuel Macron.

Merkel tem o cargo em jogo nas eleições de setembro, e sabe que falar mal de Trump dá voto. Mas a prática é outra, ainda mais com a necessidade do país de exportar.

Macron pode ter ganho o concurso de “likes” com sua performance junto a Trump e Putin, além de convidar cientistas climáticos americanos a mudar para a França, mas sua musculatura militar é insuficiente. O namoro europeu ensaiado com a China é incipiente e incerto.

O projeto da Europa, calcado em valores comuns, seria a resposta para essa crise de identidade, mas passa por estresse com o “brexit” e com o status quo questionado.

Nem tudo é alarmismo. A lógica sugere que Putin não ganha nada atacando um membro da Otan, no Báltico por exemplo. Se o fizer, os “falcões” do Pentágono não ficariam inertes. Aí, nem correr para as colinas resolverá, por isso a aposta na lógica.

Assim como a França voltou à Otan em 2009, o governo Trump não durará para sempre. E mesmo ele tem tido flexibilidade para recuar. Já o espelho que colocou na frente da Europa não se quebrará tão rapidamente.

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