Um relatório elaborado pelos auditores do Tribunal de Contas do Município de São Paulo -e obtido com exclusividade pela reportagem- elenca diversos problemas técnicos e jurídicos no projeto de lei de reforma da previdência municipal proposto pelo prefeito João Doria (PSDB).
O texto do TCM será distribuído aos vereadores e deve acirrar ainda mais os ânimos no debate do tema e os obstáculos da gestão tucana para aprovar a proposta.
Atualmente, Doria tem dificuldades em conseguir apoio de ao menos 28 dos 55 vereadores para ter a aprovação do projeto no Legislativo.
De um lado, servidores pressionam para que a proposta, que prevê aumento da alíquota de contribuição de 11% para 14%, seja extinta. Nesta terça (20), eles fizeram mais um ato em frente à Câmara, com milhares de manifestantes contra a mudança.
O Executivo, de outro lado, justifica a necessidade do projeto com levantamentos sobre a evolução do déficit do sistema previdenciário.
A auditoria do tribunal foi motivada por solicitação do vereador Adilson Amadeu (PTB), que tem questionado as lacunas do projeto de lei.
Doria tem tido uma relação tensa com o TCM ao longo de sua gestão. Ao ver seus projetos barrados pelo tribunal, especialmente aqueles que fazem parte do pacote de privatizações, ele disse que o tribunal exagera em suas funções e prejudica a cidade.
Aliados do prefeito na Câmara também chegaram a se mobilizar e discutir até mesmo a extinção do TCM.
Conselheiros do tribunal, por sua vez, apontam limitações técnicas nos projetos municipais e dizem ter que agir antes para prevenir possíveis erros do Executivo.
De saída, o relatório do TCM, que tem caráter preliminar, critica o que chama de “rapidez”, “açodamento” e falta de discussão do projeto da previdência da gestão Doria com a sociedade. Trata-se de uma queixa que tem sido repetida continuamente pelos sindicatos de servidores.
O relatório reconhece a existência de déficit previdenciário que poderá vir a comprometer a capacidade da prefeitura de honrar com compromissos futuros.
No entanto, afirma que o projeto do tucano peca no embasamento técnico, contém inconstitucionalidades, possui trechos com possível “caráter de confisco” e se insere em um momento incerto para definições sobre a previdência, dada a suspensão da tramitação da reforma em escala federal.
O relatório do TCM diz que não há cálculos na justificativa do projeto de lei que mostrem que a elevação da alíquota de 11% para 14% levaria ao equacionamento do déficit da previdência -que foi de R$ 4,7 bilhões em 2017.
Afirma também que a alta da contribuição dos servidores não pode ser feita visando a sobra de recursos para outras áreas que não a seguridade social. A medida, diz o relatório, poderia configurar confisco e, por isso, uma infração constitucional.
Essa crítica de confisco reaparece na comparação entre o que chama de “política de compressão salarial” do município e a tentativa do aumento da alíquota para 14%.
O relatório do TCM diz que houve perdas salariais de 42% dos servidores entre 2008 e 2017 devido a ajustes salariais baixos no período.
O aumento da alíquota previdenciária para 14%, somado a tributos já existentes, como o Imposto de Renda, poderia pesar excessivamente sobre os rendimentos dos servidores e desequilibrar a relação entre contribuição e benefício recebido, na interpretação do Tribunal de Contas.
O texto aponta também “um cenário movediço e altamente incerto” para o lançamento do projeto de lei por parte da gestão Doria.
De um lado, a reforma da Previdência federal tem pontos que impactam no déficit municipal, como os aumentos de idade para aposentadoria e tempo de contribuição.
Por outro, ainda será julgado no STF o caráter confiscatório ou não de elevação da contribuição previdenciária. A depender da decisão, o projeto paulistano também poderia se ver envolvido em uma pendenga judicial que poderia congelá-lo por anos.
“Tem que fazer um estudo melhor. O projeto não podia ter chegado na Câmara da maneira como foi feito pelo Executivo. Quando os sindicatos reclamam de falta de debate e que não fizeram encontros com os secretários do Doria, agora entendo o porquê. O TCM não seria injusto e o relatório tem muito conteúdo. Teremos que achar um equilíbrio e não será com esse projeto atual”, diz o vereador Adilson Amadeu.
“O relatório mostra várias inconstitucionalidades e questiona os números colocados pela gestão Doria. Os estudos não justificam o aumento da alíquota. Os erros decorrem do estilo açodado do prefeito, que quer fazer tudo a toque de caixa, sem diálogo e sem debate, visando a campanha eleitoral dele”, afirma o vereador Antonio Donato (PT), líder da oposição na Câmara.
Pressionados por servidores, que fizeram três grandes manifestações nas últimas semanas, os vereadores da base aliada de Doria já decidiram abrandar a reforma e retirar trecho que previa alíquota suplementar de 5% para todos aqueles que recebem acima do teto de aposentadoria do INSS (R$ 5.645). A alíquota é avaliada como “inconstitucional” no texto do TCM.
A mudança aparecerá em texto substitutivo a ser apresentado nos próximos dias.
Os professores estão em greve desde 8 de março, e mais de 90% das escolas da rede municipal são afetadas.
A gestão Doria tem argumentado que a aprovação da reforma da previdência é fundamental para a saúde financeira do município.
Segundo cálculos da prefeitura, o déficit da previdência chegará a R$ 20,8 bilhões em 2025 caso a reforma não seja feita. Em menos de sete anos, afirma, o Orçamento total da administração será tomado por gastos obrigatórios. (Folhapress)
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