Veja o texto completo da editoria de educação da Tribuna do Planalto, disponível no site do Jornal, na íntegra.
Redes sociais revigoram movimento estudantil
Thaís Lobo – Editoria de educação
Mobilização começa pela internet para depois ganhar ruas. Aymê Sousa (foto) usa web e conquista adeptos contra tarifas altas
Depois de balançar as estruturas do mundo árabe e da Europa, chega a vez do Brasil conhecer um novo tipo de ativismo político e social. O movimento popular que renasce agora é alimentado por uma das ferramentas mais usadas pelos jovens contemporâneos: as redes sociais.
É com elas que eles se mobilizam para ganhar as ruas de todo o país com mais agilidade e facilidade. Seja contra a corrupção, o reajuste das tarifas de ônibus ou em prol do aumento dos recursos para a educação, estudantes do país inteiro se mobilizam pela internet, organizam passeatas e se encontram para protestar publicamente.
“As redes sociais são importantes porque ajudam a mobilizar e a democratizar a informação, que corre mais rápido. Os estudantes, via internet, podem gerar também sua própria informação”, destaca o presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), Lucas Marques.
Em Goiânia, nos últimos meses, várias manifestações foram articuladas com a ajuda da internet, entre elas as greves dos professores e dos servidores estaduais e federais. Atualmente são os movimentos ‘Tarifa Zero’, contra o aumento da passagem de ônibus, e o de paralisação da UEG (Universidade Estadual de Goiás), que têm levado centenas de manifestantes às ruas.
“A rede social é a melhor coisa que já existiu nessa questão. É bom para a divulgação, para as denúncias, para tudo!”, avalia a estudante de Ciências Sociais da UFG (Universidade Federal de Goiás), Aymê Sousa, que integra o ‘Tarifa Zero’.
Na UEG, as redes sociais também têm contribuído bastante para a mobilização dos alunos e servidores da instituição, que tem 42 núcleos espalhados pelo estado. “Por esse meio, nós conseguimos não só conversar com as outras unidades, como também alertar a população em geral, que geralmente fica omissa ou só conhece o que se passa pela televisão”, ressalta a estudante de Arquitetura e Urbanismo, Gabriela Medeiros.
Mas a adoção das novas mídias revela, na verdade, as transformações pela qual os movimentos estudantis têm passado e apontam para a construção de uma nova forma de mobilização popular, conforme avalia Adriana Coelho Saraiva, analista de Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Autora de um estudo que compara a mobilização política e social dos jovens no Brasil e nos Estados Unidos, ela considera que esses movimentos estão em um processo de mudança permanente. “Hoje há um certo embate entre as velhas fórmulas do movimento estudantil hierarquizado e uma forma mais autônoma, mais horizontal e menos institucional”, acrescenta.
Temas diversos
A tendência que a analista comenta são os movimentos autonomistas, um modelo mais focado em decisões horizontais, consensuais e que não está atrelado a organizações ou partidos políticos. “Essa mobilização dispensa os representantes. Dentro desse contexto, você não está subordinado a um partido ou a uma organização. A própria noção da rede social vem desenvolvendo uma lógica que vai tirando o intermediário, permitindo um acesso e uma ação mais direta com a realidade”, explica ela.
Adriana explica também que os ativistas desses movimentos costumam se caracterizar pela multimilitância, já que atuam em várias frentes simultaneamente, como nas lutas contra o racismo, machismo, homofobia etc. “Eles também costumam se definir como anti-capitalistas e trabalham em rede, frequentemente participando de lutas locais e globais junto a outras entidades e movimentos autônomos ou verticalmente estruturados, como os partidos e sindicatos. Assim, o que aparentemente tem um caráter fragmentado e pontual, acaba por apresentar uma consistência de ação social e política fortemente vinculada às causas globais e locais.”
Para Adriana, é dentro desse modelo que se encaixam os movimentos ‘Tarifa Zero’ e de paralisação da UEG (Universidade Estadual de Goiás). Eles são de caráter apartidário, ou seja, sem ligação com partidos políticos ou entidades sindicais, apesar de receber apoio de algumas delas.
Aymê concorda e afirma que a mobilização é aberta não apenas aos estudantes, mas a todos os cidadãos que querem lutar por seus direitos. “Independente da pessoa ser filiada a algum partido, ela está ali representando sua própria vontade. Eu, por exemplo, me agreguei ao movimento pela questão da denúncia, da corrupção e por diversos motivos que prejudicavam a sociedade como um todo”, diz.
O presidente da UEE, Lucas Marques, admite que os movimentos populares têm unificado suas bandeiras e que as lutas já não se pautam pela disputa partidária, mas pelo interesse coletivo.
Adriana, por sua vez, que acredita que as organizações institucionalizadas irão se adaptar a esse novo modelo. “A UNE e as organizações da juventude continuam estruturadas da mesma forma. Mas em alguns pontos, elas estão tentando se reformular, inclusive para acompanhar esse movimento de mudança”, conclui.
Diversidade de opiniões
Além de unificar bandeiras, a ex-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Manuela D’Ávila, deputada federal pelo PcdoB/RS, enxerga algumas vantagens nas mobilizações virtuais.
Na opinião dela, as redes sociais abriram espaço para a diversidade de pensamento existente dentro do movimento estudantil. “Ele [movimento estudantil] nunca foi partidário e a internet acaba evidenciando isso, porque as novas formas de comunicação revelam as múltiplas caras não só do movimento estudantil, mas da sociedade como um todo.”
Para ela, essa diversidade é reconhecida hoje nas universidades federais que, para ela, estão divididas entre os que apoiam e os que criticam os programas federais ProUni e Reuni. “A universidade não é mais aquele ambiente com uma grande bandeira que unia todos os estudantes, como na época da ditadura, em que a falta de democracia unificava os diferentes.”
A parlamentar também vê outro grande avanço nessa nova tendência. “Mesmo que existam desvantagens, como a divulgação de mentiras eventuais, tudo isso é muito pequeno quando comparado à grande vantagem de aproximar representantes e representados. Isso é insubstituível porque é a essência da democracia. E a internet tem essa magia”, ressalta Manuela.
A estudante de Arquitetura da UEG, Gabriela Medeiros, vai mais além. Ela destaca que o movimento estudantil que tem as redes sociais como aliadas não é bom apenas para a educação e a sociedade, mas contribui também para a própria formação dos dos estudantes.
“Nós percebemos que os alunos que participam desses movimentos estão mais interessados nas questões políticas e isso nos ajuda na universidade, na interação com os outros cursos, com os professores e até mesmo no crescimento pessoal e profissional”, comenta.
Rebeldia ingênua
Nem só de aspectos positivos vive a mobilização pelas redes sociais. Entre as principais desvantagens está a não garantia de que as manifestações aconteçam de fato. “Esses movimentos reivindicatórios tem que ir para as ruas também. A Primavera Árabe, por exemplo, foi um movimento que nasceu na web, mas que só se solidificou com a presença da população nas ruas, ajudando a derrubar governos”, ressalta o presidente da UEE, Lucas Marques.
As redes sociais também podem gerar um modelo de ativismo ingênuo ou conservador, como nos movimentos contra a corrupção, lembra Adriana Coelho Saraiva, do CNPq. “Formam-se grupos focados em causas que não aprofundam as discussões. A mobilização contra a corrupção, por exemplo, não trabalha as causas que levaram a essa situação. Muitos vão às ruas, mas não estão refletindo sobre as causas reais que suscitaram aquele contexto.”
Lucas Marques concorda. Para ele, é necessário atacar a raiz do problema. “Existe um processo histórico que envolve toda a mecânica eleitoral e política brasileira. Se você tira um político corrupto, entra outro. Sempre vai estar ali uma pessoa do mesmo círculo de interesses. Por isso é necessária uma reforma política no Brasil.”