Uma “transição torta”, mas que, mesmo assim, tem um impacto psicológico importante para os cubanos e para o mundo. Essa é a leitura do historiador e opositor cubano Manuel Cuesta Morúa, 55, sobre o processo que levou Míguel Díaz-Canel a suceder Raúl Castro no poder, nesta quinta (19).
Porta-voz do pequeno partido não reconhecido Arco Progressista e um dos líderes da plataforma Otro18, que defende eleições plurais no país, Cuesta Morúa celebra o fato de, em quase seis décadas, o país não ser mais oficialmente conduzido por um Castro.
“É um momento importante. Apesar de não convidar a pensar em mudanças estruturais, em reformas mais profundas, a transição tem um significando claro para sociedade cubana porque, pela primeira vez, começa a se dissociar a ideia de que a nação cubana está ligada a um sobrenome”, disse o opositor à reportagem.
“Até agora, era a Cuba de Castro, a nação de Castro, a revolução de Castro. Isso tem um impacto psicológico muito importante para os cubanos.”
Cuesta Morúa reconhece que, na prática, Díaz-Canel estará sob o comando de Castro e que só isso já significa pouca margem para mudanças.
Ele, no entanto, afirma que o fato de Díaz-Canel não ser um Castro o torna mais suscetível a pressões tanto de quem está acima dele quanto dos membros do parlamento de sua geração e da sociedade.
“Há agora um ensaio de separação entre o poder político e a governança, e a sociedade cubana já não é mais a mesma. Díaz-Canel terá de justificar bem a administração do que já está determinado politicamente”, diz. “Ele terá de justificar as ações na lei, nas instituições e na Constituição.”
Para o historiador, contudo, essa maior suscetibilidade do novo presidente do Conselho de Estado pode fazer com que seus interesses se distanciem dos da população.
Isso porque Díaz-Canel, em sua opinião, terá de se preocupar nos primeiros dois anos em se legitimar politicamente, antes de se arriscar com as reformas que não foram feitas por Castro, como a monetária –grande demanda popular.
“Ele não tem a mesma legitimidade histórica que Raúl Castro, que podia se aventurar a fazer mais reformas. E ao fim, se desse certo ou errado, ninguém ia contestar Raúl Castro. Ele vai ter a pressão dos de cima e dos de baixo”, diz.
Cuesta Morúa reconhece que há uma apatia política, principalmente entre os jovens cubanos, mas diz que o que os cubanos precisam é de apenas alguma esperança de mudança para se “ativar como cidadãos”.
“Se eles não veem esperança, se mantêm apáticos durante o processo. Os jovens não se sentiram representados e ao não viram esperança de que o que aconteceu agora significaria uma mudança em suas vidas.”
Ele afirma, porém, que no início do processo eleitoral, em 2017, quando a plataforma da qual faz parte apresentou mais de 150 candidatos durante as assembleias de nominação, havia gente disposta a votar fora do Partido Comunista, o único legal no país.
“Apresentamos 156 candidatos e todos foram reprimidos. Mas o mais interessante é que o povo, em diferentes lugares, estava disposto a lutar”, diz.
Apesar de ainda haver repressão –ele calcula que haja hoje mais de cem presos políticos no país, acusados de crimes comuns–, Cuesta Morúa diz que a perda de apoio regional fez com que o regime cubano também mudasse suas estratégias contra opositores.
Agora, as detenções geralmente duram horas, apenas para impedir que a pessoa participe de um protesto, por exemplo, e miram dissidentes que não sejam líderes, para fazer “menos barulho”.
“Era mais fácil para o regime quando Nicolás Maduro tinha mais tranquilidade, quando estava o Hugo Chávez, Lula ou Dilma Rousseff, Cristina Kirchner, Rafael Correa. Tinha um ambiente politico mais favorável.”