Sem uma lei que defina os procedimentos da alteração dos documentos para pessoas transexuais, a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros) precisa procurar na Justiça o reconhecimento de sua identidade em processos que podem ser longos e que dependem do entendimento dos juízes.
Desde os cinco anos de idade, Raí* não se identificava com a imagem de menino no espelho. Sonhava em se vestir como suas irmãs. O pai tentou impor comportamentos masculinos na criança, mas não adiantou. Na adolescência, o rapaz decidiu deixar o cabelo crescer e tomar hormônios femininos. Adotou o nome social de Renata* e, a partir de então, todos que o conhecem só o chamam assim. Faltava, contudo, alterar seus documentos pessoais – pleito deferido, agora, em sentença pela juíza Marina Cardoso Buchdid, da 2ª Vara de Formosa.
“O julgador deve analisar as razões íntimas e psicológicas do portador do nome e estar atento à realidade que o cerca e às angústias de seu semelhante. E, na hipótese da transexualidade, a alteração do prenome da pessoa segundo sua autodefinição tem por escopo resguardar a sua dignidade, além de evitar situações humilhantes, vexatórias e constrangedoras”, destacou a juíza Marina Cardoso.
Na petição, Renata considerou que mudar seu registro de identidade seria sua maior vitória. Alegou que em todas as situações nas quais precisava apresentar sua identidade, sofria preconceito. Segundo depoimento de testemunhas, apenas poucas pessoas conheciam, de fato, seu nome original.
A conquista foi alcançada mesmo sem antes passar por cirurgia para mudança de sexo. Renata está cadastrada na fila para o procedimento no Hospital Universitário de Brasília (HUB), onde passa por acompanhamento multidisciplinar. A aparência e os trejeitos da autora, contudo, já indicam o novo gênero.
Para a juíza, Renata ganhou a causa porque juntou testemunhas e certidões negativas cível, criminal, entre outros documentos que atestaram não haver pendências no nome original de Raí. “O nome em seu assento de nascimento a expõe à situação vexatória, uma vez que sua aparência física é, nitidamente, feminina, enquanto seus documentos constam o nome masculino. Vale ressaltar que há a possibilidade de mudança do prenome sem a cirurgia de transgenitalização, vez que a requerente não se identifica com seu sexo biológico” ressalta a juíza.
*os nomes foram trocados para preservar a identidade da parte.
Enquanto uma lei não garante esse direito, confira as orientações sobre os documentos necessários para tentar agilizar o processo de alteração de documentos na Justiça:
É necessário advogado ou defensor público
Por se tratar de um processo judicial, é preciso buscar um advogado. O tempo dos processos varia, mas não são processos muito rápidos. Caso não tenha dinheiro para pagar pelo auxílio profissional, a pessoa pode recorrer à defensoria pública.
Laudos médicos
São necessários laudos psiquiátricos ou psicológicos e o magistrado pode pedir um outro laudo de profissionais da própria Justiça.
Não precisa de cirurgia
Não é preciso fazer qualquer tipo de cirurgia para pedir a correção dos documentos.
Caso seja casado ou divorciado
O interessado na mudança de documentos também pode pedir a alteração da certidão de casamento já no início do processo, ou corre o risco de ter que entrar com uma segunda ação.
Provas do uso do nome social
Na hora de convencer o juiz de que o nome social representa a identidade de seu cliente, os advogados podem usar vários tipos de registros como evidências. Como registros de nome social: como carteirinha do SUS, banco, recido de Táxi, padaria, farmácia, etc.
Fotos também podem ser usadas e quanto mais antigas elas forem, melhor.
O uso do nome social em redes sociais também pode valer como prova.
Documentos escolares
Desde o dia 12 de janeiro deste ano, uma resolução sem força de lei do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais recomenda que instituições de ensino usem o nome social em documentos como lista de frequência, boletins e matrículas. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também já permite o uso do nome social. Algumas instituições de ensino superior também garantem o direito ao uso do nome social.
Informações: Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e Agência Brasil
Enem: UFG oferece aulas gratuitas para travestis, transexuais e transgêneros