Duas questões que foram centrais no mensalão e reaparecem no julgamento desta quarta (24) no TRF-4 (Tribunal Regional da 4ª Região) podem beneficiar o ex-presidente Lula se a jurisprudência do Supremo for seguida, segundo os advogados e professores Celso Vilardi, da Fundação Getúlio Vargas, e Gustavo Badaró, da USP.
São as polêmicas jurídicas sobre ato de ofício, jargão que designa a decisão formal por parte do ex-presidente que tenha beneficiado a OAS, e em torno dos supostos pagamentos dissimulados no caso do tríplex: eles são só corrupção, ou corrução e lavagem de dinheiro, como está na sentença do juiz Sergio Moro?
Moro considerou que os atos de ofício decorriam da força do cargo de Lula e da nomeação de diretores da Petrobras, o que é contestado pela defesa.
Vilardi, que defendeu o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares no mensalão, diz que a a decisão de Moro é “tentadora para leigos, mas parece contrariar a jurisprudência do Supremo”.
Segundo ele, o Supremo não aboliu a necessidade de ato de ofício no julgamento do mensalão, em 2013, mas aceitou que ele possa ser indeterminado. “O que o Supremo decidiu é que conluio [entre corrupto e corruptor] seria suficiente para caracterizar a corrupção, desde que o corrupto tenha capacidade de entregar o que foi combinado”, afirma Vilardi.
Como Lula não nomeava formalmente os diretores da Petrobras, mas sim o conselho da estatal, a jurisprudência do Supremo pode beneficiá-lo no futuro.
À época em que Lula visitou o apartamento em Guarujá, em 2014, quando o imóvel ainda não fora reformado, ele já não ocupava a Presidência e não tinha poder para editar atos que beneficiassem a OAS, diz Badaró.
“Esse é um ponto fragilíssimo da sentença de Moro”, afirma o professor da USP, referindo-se ao ato de ofício. “É quase um saci-pererê: muito difícil de parar de pé. Sem ato de ofício não há corrupção, e isso beneficia Lula”.
É LAVAGEM OU NÃO É?
A questão da lavagem de dinheiro é tão polêmica quanto o ato de ofício. No julgamento dos embargos infringentes do mensalão, o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) foi inocentado do crime de lavagem.
O Supremo considerou que as vantagens ilícitas que ele recebera eram o ato final do crime de corrupção, não a volta ao mercado legal de dinheiro ilícito -a definição de lavagem de dinheiro.
“Do ponto de vista técnico, essa é a posição mais correta. Mas há julgamentos que contrariam essa decisão do Supremo”, pondera Vilardi.
Badaró diz que até há indícios de lavagem no modo dissimulado como o apartamento é reservado para Lula, nas visitas, na escolha dos móveis para a cozinha.
O problema, para ele, é que faltam provas de corrupção. “Se não há corrupção, não há como lavar dinheiro de um crime que não houve”.
A sentença de Moro é o ponto de partida do julgamento desta quarta, mas o TRF-4 não precisa se ater a ela, segundo Silvana Battini, professora de direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio e procuradora federal.
“É um novo julgamento. O tribunal está livre para fazer o que bem entender com as provas e reavaliá-las de maneira diferente”, diz Battini.
(FOLHA PRESS)
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