A tomada de poder pelo Taleban instituiu no Oriente Médio uma terceira teocracia islâmica que mexe com o jogo de forças na região. Enquanto o Irã está em “modo de pânico” por radicais islâmicos rivais ganharem força no vizinho, o Paquistão celebra um aliado para fazer frente à Índia. No entanto, o fortalecimento de um movimento Taleban paquistanês pode por uma sombra sobre as perspectivas de Islamabad no médio prazo, segundo analistas.
Ao lado de Arábia Saudita, sunita wahabista, e do Irã, xiita, o Afeganistão passou a ser uma teocracia sunita salafista no Oriente Médio, como explica a analista e professora do US Naval War College Hayat Alvi. Na sua visão, o regime comandado pelos radicais, com o tempo, deve ir além e impor um sistema religioso fascista aos afegãos, apesar de tentarem provar o contrário neste momento.
Com um recém-empossado presidente conservador, o Irã assiste com cautela esse novo redesenho e teme a ascensão de aliados também sunitas e extremistas do Taleban no Paquistão.
“Por essa razão, e antecipando o fortalecimento do Taleban no Paquistão, o regime do Irã implantou milícias xiitas dentro do Afeganistão”, afirma a professora. O cenário poderá resultar em uma violência sectária com potencial de se espalhar pela região. “É a receita para o desastre.”
Mudanças radicais
O Irã já tem estado sob pressão para proteger os locais sagrados do xiismo e a comunidade xiita no Afeganistão, como explica o professor e especialista em Islã da Universidade de Delaware Muqtedar Khan. Ele também acredita na possibilidade de conflitos entre xiitas e sunitas dentro do Afeganistão, com o envolvimento do Irã.
Em uma perspectiva geral, segundo Khan, a chegada do Taleban ao poder provoca uma mudança significativa. Se antes o Afeganistão vinha sendo dominado pela parceria EUA-Índia, agora ele passa a ficar sob a influência de Paquistão e China.
O rearranjo de forças, segundo Alvi, começou a ocorrer assim que os EUA iniciaram a retirada de seus soldados do país, o que precipitou as mudanças nas configurações de poder, incluindo o envolvimento de uma variedade de milícias pela região. “Eles agora estão lutando para escolher um lado para apoiar, ou o do Taleban ou daqueles que estão contra o grupo”, diz a professora
Segundo Alvi, países como Rússia, China, Paquistão e Índia estão considerando ir além da diplomacia e analisando ações estratégicas para proteger seus respectivos interesses na região, principalmente no Afeganistão.
Enquanto a China claramente decidiu forjar uma relação positiva com o Taleban, a embaixada da Rússia recorreu às forças do próprio Taleban para a sua proteção e a de seu pessoal, como explica a analista. “Índia, Irã e as repúblicas da Ásia Central estão provavelmente muitos nervosos e ansiosos.”
Armas nucleares
Para Khan, se o Taleban permitir a entrada de grupos islâmicos e jihadistas para serem treinados e atuarem no território afegão, isso terá novas consequências e representará um problema para todos os países em volta. Podem ser grupos para receber treinamento e agir militarmente na disputada Caxemira, na fronteira entre Paquistão e Índia, ou na Província de Xinjiang, onde se concentra a minoria uigur na China. “O Paquistão talvez queira grupos paquistaneses treinados no Afeganistão. Se algum ataque ocorrer na Índia, pode negar que tenha partido do seu território”, avalia Khan.
Os desdobramentos, porém, também impõem um risco interno no Paquistão, segundo a professora Alvi, uma vez que a versão do Taleban no país, o Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP), tem celebrado a vitória do grupo radical no país vizinho. “Há um risco inerente de o TTP buscar as mesmas ações estratégicas de empoderamento dentro do Paquistão. Se isso acontecer, o grupo supostamente teria acesso às armas nucleares do Paquistão”, diz Alvi.
Enquanto Estado e sociedade, o Paquistão, explica Khan, é muito heterogêneo. Se por um lado o governo paquistanês não é totalmente favorável a um apoio ao Taleban, as Forças Armadas e as agências de inteligência são. “Para eles, o Taleban é um instrumento muito importante.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. Por Renata Tranches/Estadão Conteúdo