A miniturnê europeia da ex-presidente Dilma Rousseff adotou um tom de campanha eleitoral. Em Genebra, convidada para participar do Festival Internacional de Filmes de Direitos Humanos neste sábado (11), Dilma defendeu o legado do PT no poder, apresentou um “pot-pourri” dos principais programas do seu governo e também creditou a paternidade da transposição do rio São Francisco -cuja obra do trecho leste foi inaugurada na sexta por Michel Temer- ao ex-presidente Lula.
“Quem primeiro pensou nessa obra foi o imperador Pedro 2º. Mas quem implementou isso foi o Lula”, disse Dilma aos jornalistas presentes no evento.
Sem citar o nome de seu sucessor, a quem chamou de “presidente ilegítimo”, Dilma afirmou que Temer não pode tentar melhorar sua popularidade “em cima da obra alheia”.
“O presidente ilegítimo quer ter algum nível de interlocução [com a população]. Ele tem todo o direito [de tentar melhorar a popularidade], mas não pode ser em cima de obra alheia”, declarou Dilma.
Ainda segundo a ex-presidente, o governo atual representa uma ameaça ao conjunto de políticas sociais implementadas durante o seu mandato. Ela também atribui a Temer a degradação do cenário econômico brasileiro. ” Embora a imprensa diga que a situação econômica esteja melhorando, tanto a crise econômica quanto a crise política se aprofundaram”, afirmou.
“Havia uma versão pré-processo de impeachment que bastaria a minha saída para um processo de melhora da economia. Mas as razões profundas da crise econômica foram subestimadas”, afirmou.
Dilma citou fatores externos como “a queda mundial do preço das commodities e o fim do ‘quantitative easing’ (afrouxamento monetário) nos EUA”, como alguns dos responsáveis pela crise econômica no Brasil. Ela fez, no entanto, um discreto “mea culpa” sobre sua política à frente do governo.
“Achei que, diminuindo impostos do setor privado, teria um aumento dos investimentos. Me arrependo disso. Fragilizei o lado fiscal e, ao invés de investirem, eles aumentaram a margem de lucros”, ponderou.
LULA
Diante do público do festival, Dilma transformou o palco do debate de um painel sobre combate à fome em palanque eleitoral para a campanha de Lula à presidência em 2018. “Nem eu nem o Lula teríamos feito o governo sem o PT. O que tem dentro do PT nos inspirou. O sonho do PT tem de ir além. Tem de ir pro futuro. Temos que defender essas conquistas”.
Para a imprensa ela foi ainda mais enfática: “Assegurar que Lula seja candidato [em 2018] é fundamental”.
Embora o tema central da sua palestra tenha sido o combate a fome e a miséria, a ex-presidente teve que enfrentar várias questões relativas a suspeitas de corrupção nos seus anos de governo.
Sem falar de acusações, a ex-presidente defendeu a Operação Lava Jato: “No meu mandato, criei a lei de organizações criminosas que instituiu a delação premiada e a punição ao corruptor”, afirmou. “O sistema político brasileiro vai ser investigado, mas nenhum partido apenas pode ser chamado de corrupto. Duvido que vão continuar dizendo que o PT é corrupto. Porque não sobra ninguém nos outros”, argumentou.
Sobre delações que poderiam atingi-la diretamente, Dilma reiterou: “Jamais pedi propina nem recebi propina”.
Quanto às recentes declarações do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Gilmar Mendes, que afirmou que doações em caixa dois podem não configurar corrupção, Dilma foi irônica.
“Acho isso muito interessante. Passei toda uma campanha eleitoral e nunca ouvi isso. Acho que uma coisa está mudando. Não há como deixar de chegar no PSDB.”
Embora o papel de cabo eleitoral do ex-presidente Lula tenha ficado explícito nessa passagem por Genebra, Dilma desconversou sobre suas futuras ambições políticas. “Até os 60 anos, fazia política sem ter cargo eletivo. Posso perfeitamente continuar fazendo política sem ter um cargo. Não fui para prisão por ser parlamentar. Fui por ser militante.”
Além da participação no festival, a agenda de Dilma em Genebra inclui encontros com parlamentares suíços e relatores de direitos humanos, um reunião na sede da Organização Internacional do Trabalho e uma palestra no Graduate Institute of Geneva, um centro de estudos de Ralações Internacionais, para falar sobre o futuro da luta contra o neoliberalismo.
Na terça-feira (14), ela segue para Portugal.
(FOLHA PRESS)