O ministro Celso de Mello, decano do STF (Supremo Tribunal Federal) e relator de um dos dois processos que discutem se o Congresso tem sido omisso ao não criminalizar a homofobia e a transfobia, iniciou seu voto nesta quinta-feira (14) afirmando ter um posicionamento de defesa das minorias.
O decano criticou chavões que considera heteronormativos e incompatíveis com o pluralismo de uma sociedade democrática, como o de que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa” – expressão recentemente utilizada pela ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e que gerou queixas de setores da sociedade.
“Em razão do voto que vou proferir, serei inevitavelmente incluído no índex mantido pelos cultores da intolerância, cujas mentes sombrias rejeitam o pensamento crítico, daqueles que ignoram o sentido democrático do pluralismo de ideias […], desconhecem a importância do convívio harmonioso e respeitoso de ideias antagônicas”, disse o ministro.
“Mas, muito mais importante do que atitudes preconceituosas e discriminatórias tão lesivas e atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais de qualquer pessoa, independentemente de suas convicções ou de sua orientação sexual […], mais importante do que tudo isso é a função contramajoritária do Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe fazer prevalecer, no exercício irrenunciável da jurisdição, a autoridade e supremacia da Constituição e das leis da República”, disse.
Segundo o ministro, a inércia das autoridades tem exposto homossexuais e transexuais a “graves ofensas perpetradas contra seus direitos fundamentais, inclusive mediante cometimentos de estupros coletivos e estudos corretivos”.
“Essa visão de mundo fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças biológicas devem determinar papéis sociais – ‘meninos vestem azul e meninas vestem rosa’ -, essa visão de mundo impõe aos integrantes da comunidade LGBT inaceitável restrição a suas liberdades fundamentais, submetendo tais pessoas a padrão heteronormativo incompatível com a diversidade e pluralismo que caracterizam sociedade democrática”, afirmou o decano.
O plenário do Supremo retomou na tarde desta quarta o julgamento de dois processos de autoria do PPS e da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais) que chegaram à corte em 2012 e 2013.
O objetivo dos processos é que o Supremo reconheça a obrigatoriedade constitucional de tornar crime a discriminação contra pessoas LGBT.
Se forem reconhecidas a lacuna legislativa e a suposta omissão do Congresso, os processos pedem: 1) para o STF fixar um prazo para o Congresso legislar e 2) para o STF criar um entendimento temporário de que a homofobia é análoga ao crime de racismo.
Nesta quarta (13), quando o julgamento começou, foram ouvidos representantes dos autores dos processos, da PGR (Procuradoria-Geral da República) -favorável à criminalização da homofobia -, da AGU (Advocacia-Geral da União) – contrária aos pedidos formulados – e de grupos pró e contra a criminalização.
Após o voto de Celso de Mello, deverá votar o ministro Edson Fachin, relator do segundo processo sobre o tema. A expectativa é que não haverá tempo hábil para os 11 ministros da corte votarem na sessão desta quinta, o que poderá fazer com que o julgamento tenha de prosseguir na próxima semana. Um eventual pedido de vista de algum dos magistrados também pode levar ao adiamento do debate. (REYNALDO TUROLLO JR, BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)