O STF (Supremo Tribunal Federal) marcou para esta quinta-feira (19) o julgamento de ação que questiona uma portaria do Ministério da Saúde que impede homens gays de doarem sangue por até 12 meses após terem relações sexuais.
A ação direta de inconstitucionalidade foi proposta pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), que vê a norma como discriminatória.
Hoje, as regras gerais de doação de sangue são definidas pelas portarias 158/2016, do Ministério da Saúde, e pela resolução 34/2014, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O texto do ministério considera “inapto” a doar sangue por um período de 12 meses “homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou parceiras sexuais destes”. Trecho semelhante consta de norma da Anvisa.
O governo atribui a restrição “temporária” a dados epidemiológicos que apontam aumento no risco de infecção entre esses grupos -caso do HIV, por exemplo.
A medida, porém, já vinha sendo alvo de questionamentos na Justiça nos últimos anos. Agora, o caso pode ser definido no STF, que colocou o tema em pauta para esta quinta.
Para o advogado Paulo Iotti, porém, que representa na ação o Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais), a atual norma é discriminatória e inconstitucional.
“Eles nos tratam como grupo de risco. Eles dizem que não, mas é uma negativa de má-fé. Nos anos 1990, criou-se essa noção de grupo de risco para prática de risco, não interessa o grupo que faz parte, mas sim a prática sexual concreta. Mas ao dizer que o homem que faz sexo com outro homem está necessariamente em uma situação de risco, ele está colocando [todo o grupo] como grupo de risco. E isso é discriminatório”, afirma.
Iotti questiona também outro critério da pasta, que diz que não pode doar sangue por 12 meses quem teve parceiros ocasionais e aleatórios. “Com isso, só pode doar sangue quem teve relacionamento monogâmico.”
Para Toni Reis, diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI, o argumento de que a restrição ocorre para evitar risco aumentado para algumas doenças não é válido. “A Aids atinge a todos, independentemente da orientação sexual. Ninguém deve ser estigmatizado pela sua orientação sexual”, afirma.
Ele diz concordar, porém, que haja critérios de seleção de doadores, mas com base em comportamentos de risco -não um impedimento geral para todo um grupo.
“Só ser gay ou não, não pode ser motivo de discriminação para doação. Se a mãe ficar doente, não pode ter mais um relacionamento homossexual para poder doar sangue?”, questiona.
OUTRO LADO
Em nota, o Ministério da Saúde nega discriminação e diz que os critérios para seleção de doadores de sangue “estão baseados na proteção dos receptores, visando evitar o risco aumentado para a transmissão de doenças” através da transfusão.
“De acordo com a portaria, homens que fazem sexo com homens são considerados inaptos para a doação de sangue por 12 meses e não de forma definitiva”, informa a pasta. A restrição, diz, atende a recomendações da Organização Mundial da Saúde) “e está fundamentada em dados epidemiológicos presentes na literatura médica e científica nacional e internacional, não tendo relação com preconceito do poder público ou que leve em consideração a orientação sexual do candidato”.
Entre esses dados, o ministério cita indicadores que apontam que homens que fazem sexo com homens apresentam maior prevalência de infecção por HIV quando comparadas com a população em geral -10,5%, enquanto a taxa geral é de 0,4%.
Para a pasta, o prazo de 12 meses segue o princípio da precaução. “É de acordo com o princípio da precaução que se estabelece o período de 12 meses de inaptidão para situações específicas, ainda que a janela imunológica esteja atualmente reduzida, tais como a realização de tatuagens e procedimentos cirúrgicos variados”.
Já a Anvisa, por meio de nota técnica, afirma que “as normativas brasileiras consideram vários critérios de inaptidão de doadores de sangue associados a diferentes práticas e situações de risco acrescido e não se restringe apenas aos homens que fizeram sexo com outros homens”. Entre os outros casos em que a doação é impedida por 12 meses está ter feito sexo em troca de dinheiro ou drogas, ter sido vítima de violência sexual, ter feito piercing ou tatuagem sem condições de avaliação quanto à segurança do procedimento, histórico recente de infecções, etc.
A agência diz ainda que medidas semelhantes são adotadas em outros países, como os Estados Unidos -que passou em 2015 de uma inaptidão definitiva para que gays doassem sangue para restrição de 12 meses após a relação sexual, como ocorre na norma brasileira.
No documento, a Anvisa defende ainda que as regras atuais não excluem homens que fazem sexo com outros homens de doarem sangue, “desde que atendam aos requisitos de triagem clínica estabelecidos”. “Cabe ao serviço de hemoterapia atender e orientar com respeito ao candidato a doação de sangue explicitando da melhor forma possível sobre os critérios técnicos e condições de aptidão para coleta de sangue com segurança”, informa.