Nesta quarta-feira (26) é comemorado no Brasil o Dia Nacional dos Surdos em homenagem à fundação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), em 1857. A data foi instituída em outubro de 2008, por meio do Decreto-Lei 11.796 e, desde então, tem sido fundamental para relembrar à sociedade e ao poder público a necessidade de implementar políticas públicas. O mês é considerado duplamente importante porque é durante o Setembro Azul que são pautadas as principais demandas da comunidade surda do país: a educação inclusiva e a criação de escolas bilíngues.
“Gostaríamos muito que as instituições de defesa não precisassem mais existir, que a nossa sociedade respeitasse plenamente os direitos de todos, mas infelizmente ainda não chegamos nesse patamar. Precisamos de políticas públicas que permitam o pleno exercício da cidadania dos surdos”, destaca Márcia Lemos, diretora Geral da Associação Educacional Sons do Silêncio (AESOS), onde trabalha há 17 anos. A AESOS foi criada em maio de 2000. Atualmente, atende cerca de 250 pessoas e mantém o Centro Educacional Sons do Silêncio, com turmas do Ensino Fundamental I ao Ensino Médio, além de ofertar a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A educação bilíngue faz parte do projeto pedagógico da instituição: a Língua Brasileira de Sinais é o principal idioma adotado e, a Língua Portuguesa, o segundo. Nas salas de aula, há projetores multimídia e intérpretes de Libras que auxiliam os professores, os quais também são fluentes na língua. Por meio Núcleo de Recursos Pedagógicos (NURE), são avaliados os materiais mais adequados para as atividades a serem desenvolvidas pela equipe. “Trabalhamos também com a qualificação profissional e a inserção no mercado de trabalho, mas desenvolvemos muitos projetos para promover o acompanhamento sistêmico”, sinaliza Lemos.
Se por um lado a educação tradicional é apreendida em um momento, os estudantes “cuidam do ser de forma integral” em outros turnos. Cursos de qualificação; acompanhamento psicológico e psicossocial para alunos e familiares; atividades esportivas; oficinas de letramento, literatura, matemática e português são apenas algumas das atividades complementares desenvolvidas. “Os estudantes são muito inteligentes e se desenvolvem bastante. Já tivemos surdos que se formaram e retornaram à instituição como professores, outros que se dedicam à pedagogia bilíngue e muitos outros que estão nas universidades”, comemora a gestora.
Apesar de não ter sido aluna da AESOS, Verena Gila Fontes integra o quadro de docentes e destaca a importância de desenvolver iniciativas voltadas para os surdos. “Influenciam no desenvolvimento da capacidade de aprender: desenvolvem competências e habilidades, passam conhecimentos e promovem a consciência dos direitos sociais, culturais, linguísticos e políticos dos surdos”, comenta.
Com apenas 33 anos, Fontes é graduada em Design, pós-graduada em Artes Visuais e em Língua Brasileira de Sinais, além de estar em busca da segunda graduação, em Letras Libras. “As pessoas duvidam que, mesmo com a falta de audição, somos capazes de realizar muitas coisas. Sentem-se surpreendidas quando digo que levo uma vida normal como todos os jovens. Eu dirijo, sou fotógrafa, optei agora por ser professora e sou noiva”, destaca.
A docência é exercida na AESOS e também na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), onde ensina a Língua Brasileira de Sinais. “Me realizo ensinando o que aprendi no mundo dos ouvintes e traduzindo em Libras para os meus alunos. Sempre os incentivo a estudar porque requer determinação”, pontua. Suas atividades incluem palestras, realização de oficinas para surdos e participação nas reuniões mensais do Conselho Municipal das Pessoas com Deficiência (Comped), em Salvador, em que exerce o papel conselheira.
Desde os cinco meses de idade, a família já suspeitava da condição de Fontes. O diagnóstico veio com apenas um ano de idade, ao fazer o exame BERA (PEATE, em português: Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico). A “diferença” para as crianças ditas “normais”, no entanto, foi percebida apenas aos seis anos de idade. “Eu não sabia o que era ser surda como a minha família dizia. Eu percebi, quando entrei na escola surdos, que o jeito dos colegas era parecido com o meu. Fiquei feliz, pois existiam outros surdos no mundo, apesar da pequeníssima quantidade e do grande preconceito fora da escola”, sinaliza Verena ao relembrar a identificação com os gestos, o uso da língua de sinais, a comunicação visual e o uso do aparelho auditivo.
De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o mais recente realizado pela fundação pública, existem aproximadamente 9,7 milhões de surdos no país. Durante o Setembro Azul, diversos eventos e congressos são realizados no Brasil para destacar as demandas desta parcela da população. A escolha da cor está ligada à II Guerra Mundial, quando, na Alemanha, os nazistas obrigavam as pessoas com deficiência física ou mental a usar uma faixa de cor azul fixada ao braço para diferenciá-las das demais.
Décadas depois, ainda existem diversas barreiras no dia a dia e, consequentemente, vários desafios a serem enfrentados pela comunidade surda do Brasil: a aceitação da condição, a conquista do respeito, a luta por direitos equivalentes aos dos ouvintes e a disseminação da Língua Brasileira de Sinais está entre eles. “Ser considerado surdo-mudo é errado, pois a maioria dos surdos tem voz. Ser chamado de surdo é correto, mas não é escolha, é uma condição. É dever dos ouvintes nos aceitar e respeitar as nossas diferenças. Somos pessoas normais e capazes de exercer qualquer competência na sociedade”, reforça Fontes. (Educa Mais)
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