Em meio a protestos e após menos de dez minutos de debate, representantes do Ministério da Saúde, Estados e municípios aprovaram nesta quinta-feira (14) mudanças na política de atendimento em saúde mental.
Entre as mudanças estão a suspensão do fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos, que voltam a ser reconhecidos como parte da rede de atendimento, e o aumento no valor pago em diárias de internação nestes locais.
Até então, a política em vigor previa o fechamento gradual desses leitos no país, com base no que estabelece a lei da reforma psiquiátrica, de 2001. O texto prioriza o atendimento por meio da oferta de vagas em Caps (centros de atenção psicossocial) e hospitais gerais.
Questionado, o coordenador nacional de saúde mental, Quirino Cordeiro, admite a suspensão no fechamento, mas nega que haja intenção de ampliar o número de leitos. “A ideia é que utilize esse parque já instalado”, diz.
Ele reconhece, no entanto, que a pasta não tem hoje um número exato do total de leitos em funcionamento no país, o que poderia abrir brecha para reativação de antigas estruturas.
Para Cordeiro, o número de leitos no país hoje é insuficiente. “O Brasil tem hoje um número de leitos muito menor do que países desenvolvidos. Estamos numa situação em que podemos não ter leitos para internar pacientes com quadro agudo”, defende.
Além da manutenção dos leitos psiquiátricos em hospitais especializados, a nova resolução de saúde mental aprovada nesta terça também prevê a ampliação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais.
Hoje, o modelo atual estabelece que no máximo 15% dos leitos nesses hospitais sejam destinados ao atendimento de pacientes com transtornos mentais, estratégia para evitar que haja incentivo à hospitalização.
Agora, a ideia é que esse percentual passe a 20%, com limite de até 60 vagas por hospital, as quais devem ser localizadas principalmente em enfermarias especializadas.
A proposta, no entanto, é vista com preocupação por defensores da reforma psiquiátrica, que temem que a medida incentive a manutenção da internação e a criação de pequenos “manicômios”. Cordeiro nega e diz que a pasta pretende estabelecer diretrizes para regular o tempo de internação, sobretudo em hospitais especializados.
Uma das possibilidades em estudo é que, após determinado período, haja redução o valor pago em diárias. “Nossa ideia é dar suporte para internação de curta permanência”, diz o coordenador nacional de saúde mental.
Outra mudança é a incorporação de novos tipos de serviços à rede de atendimento. Um deles é a criação de um novo modelo de Caps para atendimento de usuários de álcool e drogas na região das cracolândias, o qual deve ter funcionamento 24h e oferta de novos leitos.
O objetivo é atender usuários com quadro de intoxicação grave, entre outros problemas. “Hoje, entre o indivíduo sair da cracolândia e conseguir atendimento, há um ‘gap’. Essa estrutura estará preparada para dar atendimento em situações mais graves”, diz Cordeiro.
Já nos casos em que o paciente opte por continuar o tratamento de forma voluntária, a ideia é que ele possa ser encaminhado a comunidades terapêuticas, afirma.
Até então, esse tipo de estrutura, a maioria vinculadas a entidades religiosas, recebiam financiamento apenas do Ministério da Justiça, sem que fossem reconhecidas como modelo de tratamento em saúde.
Agora, o Ministério da Saúde também deve passar a financiá-las, em conjunto com os ministérios do Trabalho, Desenvolvimento Social e Justiça. Com isso, a previsão é que o número de vagas passe de 4.000 a 20.000.
“A recuperação de drogados tem que passar pela família”, afirmou o ministro Ricardo Barros, sobre o investimento nas comunidades.
Segundo ele, a previsão é que o reajuste nas diárias aos hospitais psiquiátricos e os novos serviços custem R$ 300 milhões por ano. Hoje, o orçamento da saúde mental é de R$ 1,3 bilhão.
A aprovação das mudanças ocorreu durante reunião de uma comissão de gestores do SUS na sede da Opas (Organização Pan-Americano de Saúde), em Brasília, e em meio a protestos do lado de fora da entidade.
Após a leitura da proposta de nova resolução, a discussão e votação duraram menos de dez minutos. Representantes de entidades como do Conselho Nacional de Saúde, Ronald dos Santos, chegaram a pedir a palavra, mas foram impedidos de participar do debate.
Enquanto isso, do lado de fora do edifício, cerca de 30 manifestantes entoavam gritos de protestos e carregavam cartazes com dizeres como “Nada de prisão, manicômio é regressão” e “Não aos hospitais psiquiátricos”.
Seguranças também bloqueavam o acesso na portaria a uma lista pré-definida de participantes. “É o assassinato da reforma psiquiátrica”, disse Larissa Dall’Agno da Silva, do Fórum Gaúcho de Saúde Mental.
Dentro do auditório, membros dos conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde elogiaram as mudanças. “Ela não muda a política de saúde mental, mas fortalece”, afirmou o presidente do Conass, que representa os Estados, Michele Caputo Neto.
Questionado sobre a falta de debates, o ministro chamou as críticas de “inadequadas”. “Isso é pura ideologia e não mundo real. Faremos do jeito que precisa ser”, afirma. (Folhapress)