Celina Lopes Teixeira, desempregada, moradora do Residencial Real Conquista em Goiânia. Há dez anos sofre com problemas nos dentes e em um determinado dia, após tremenda dor e por não ter recebido tratamento na rede pública, arrancou um dente com um alicate. Nesta quarta-feira (6), em depoimento na Comissão Especial de Inquérito (CEI) da Câmara Municipal de Goiânia que investiga irregularidades na Saúde Pública da capital, ela desmentiu informação levada ao Legislativo pela superintendente da Secretaria de Saúde, Luciana Curado, de que por hábito arrancava os dentes.
A informação levada pela funcionária da Secretaria da Saúde, na última terça-feira (5), assustou os vereadores. Os parlamentares solicitaram a presença de Celina Lopes. A dona de casa disse que não é verdade a declaração de que ela arrancava os dentes por hábito, mas que houve uma necessidade.
“Não consegui entender o comentário da secretária. Quando foram à minha casa aparentaram ser solidários, fizeram muitas perguntas. Não é verdade, não tem como ser verdade, não sou insana, não sou masoquista, só no desespero que eu estava é que eu fiz isso”, declarou a dona de casa.
Visita
Dona Celina contou aos vereadores que o radialista e funcionário da Secretaria de Saúde, Carlos Roberto da Rocha (Carlinhos do Esporte), entrou em contato com ela, para que uma visita fosse feita a casa dela. Segundo a Dona Celina, houve pedido para que ela falasse bem da secretária de Saúde, Fátima Mrué.
De acordo com Celina, uma comissão composta de seis pessoas foi até a casa dela no Setor Real Conquista, no último domingo. Carlos e a secretária Fátima foram à residência da mulher. A dona de casa destacou que foram feitas várias perguntas a elas, mas não houve nenhum questionamento sobre ela ter arrancado o dente dela e se este seria um hábito.
“Isso não foi perguntado para mim e não disse isso. Não houve nenhum pedido de desculpas. Não imaginava que ela fosse fazer isso. Ela foi gentil, não a quero prejudicar, mas houve mesmo a visita dela a minha casa, e me perguntou como tinha acontecido. Eu tenho certeza que há dez anos o meu dente começou a estragar, mas jamais eu falei que tinha esse costume de arrancar os dentes. Procurei não só nessa gestão, mas em outras também”, afirmou.
Dona Celina contou que começou a fazer parte do conselho de saúde da região onde mora, pois durante os dez anos que sente dor, nunca recebeu atendimento. A mulher destacou que procurou por várias vezes unidades da rede municipal de saúde, mas nunca recebeu encaminhamento, por vários motivos, mais recentemente por falta de anestésicos na unidade.
“Comecei a fazer parte do conselho local para que eu tivesse atendimento. Nunca tive atendimento. Os dentistas me falaram que não poderiam atender, me disseram que eu tinha material, mas não tinha anestésico. Disseram que não podia ser atendida por que os profissionais não tinham como justificar um não atendimento. Ela relatou que por esse motivo não tinha como ser atendida”, afirmou.
A mulher destacou que no dia em que arrancou o dente, foi a UPA do Itaipu, chegou a receber consulta, mas não recebeu tratamento. Ela completou que pela dor não teve saída a não ser extrair o dente.
Os vereadores Jorge Kajuru (PRP), Anderson Sales- Bokão (PSDC), Elias Vaz (PSB), Dra Cristina (PSDB), Eduardo Prado (PV), Carlin Café (PPS), e o presidente da CEI, Clécio Alves (PMDB), questionaram Celina Lopes se foi oferecido algum tipo de vantagem. Ela informou que Carlinhos do Esporte teria ofertado cestas básicas por um período de três meses e teria pedido que falasse bem da secretária.
Ajuda
Dona Celina disse que recebeu ajuda de várias pessoas. Ela destacou que um dentista sensibilizado com a situação dela, ofereceu o tratamento completo. A dona de casa pediu para que as pessoas que a procuraram ou que estiveram atrás dos vereadores que possam ir ao bairro dela, pois muitas pessoas estão sem tratamento, e não tem condições de se tratar.
“A gente não tem dois reais. Tem semana que a gente passa comendo ovo. Eu não tinha outra opção a não ser pedir ajuda. Eu peço que as pessoas possam ir ao meu bairro, pois há muitas pessoas carentes”, afirmou dona Celina.
A dona de casa tem pouca instrução, usou palavras muito simples durante o depoimento. Ela contou que vive no Real Conquista desde que as famílias que moravam no Parque Oeste foram transferidas para lá. Dona Celina diz que está desempregada e que tem muita vergonha, por não ter os dentes na boca.
“Eu fico com vergonha de procurar um trabalho, de não ser bem recebida, por conta da minha aparência. Eu quero dignidade. Perdi muito com isso, fiquei muito tempo com vergonha, por não ter qualidade de vida”, afirmou.
Medidas
O relator da CEI, vereador Elias Vaz (PSB), em entrevista à imprensa destacou que as informações colhidas na comissão e que são relativas ao caso da Dona Celina, serão levadas à Delegacia de Investigação de Crimes Contra a Administração Pública (DERCAP) para inclusão em inquérito que já está em andamento na referida unidade policial.
Para o vereador Delegado Eduardo Prado (PSB), a visita feita na casa de Celina Lopes e vários fatos ocorridos caracterizam uma prática de crimes que também serão analisados pela Polícia Civil. “Constrangimento ilegal, pois foram à casa dela e Falso testemunho, pois ofereceram vantagem a ela de forma indevida e induzir a Dona Celina a relatar fatos que não foram condizentes com a realidade”, destacou o parlamentar.
Ao Diário de Goiás, a vereadora Dra Cristina (PSDB) explicou que aguarda respostas junto ao Executivo. A parlamentar solicitou várias informações de atuação da secretaria para que fossem analisadas pelos membros da CEI. Dra Cristina disse que se até a próxima terça-feira (12) não houver nenhum encaminhamento, cogita entrar com representação por crime de responsabilidade no Protocolo da Câmara contra o prefeito Iris Rezende, o que na prática é um pedido de impeachment do gestor.
Resposta
Em contato com a reportagem do Diário de Goiás, Carlos Roberto da Rocha (Carlinhos do Esporte), explicou que realiza um trabalho social há muitos anos em diversas regiões da capital. Ele relatou que é funcionário público federal do Ministério da Saúde, mas que foi cedido à Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia e que atua na área de comunicação da pasta.
Carlos afirmou que durante o mutirão do último final de semana no Jardim Guanabara na região norte de Goiânia, a secretária Fátima Mrué disse a alguns membros da equipe que queria saber do caso de Dona Celina e queria ir até a casa dela. Segundo Carlos, foi feito um contato da equipe e a secretária acompanhada de algumas pessoas foram até a residência da mulher. Carlos acompanhou Fátima.
Ao Diário de Goiás, ele disse que Dona Celina contou a situação dela e ao dizer que tem uma filha que apresenta deficiência, ofereceu ajuda a ela. Segundo ele, foi uma questão pessoal e que faz parte do trabalho social que realiza. Ele negou que houve troca de favor, que daria cestas básicas para que falasse bem da secretária Fátima Mrué.Carlos ainda completou dizendo que está à disposição dos vereadores para prestar os esclarecimentos devidos.
Secretaria de Saúde
Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Saúde se manifestou e disse que não houve cooptação da paciente Celina Lopes. A secretaria negou que houve oferecimento de algum tipo de vantagem a dona Celina.
Leia a nota na íntegra
A Prefeitura de Goiânia, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, embora reconheça deficiência no atendimento odontológico na Capital, informa que realizou 22 mil atendimentos odontológicos em 2017. A SMS garante que jamais houve tentativa de cooptação da paciente Celina Lopes.
A SMS esclarece, ainda, que a atitude da secretária de Saúde, Dra. Fátima Mrué, em procurar pessoalmente a paciente para se inteirar da situação se deu devido à sua indignação com o ocorrido e na qualidade de profissional da área médica se solidarizou sobremaneira com o episódio, indo pessoalmente manifestar essa solidariedade à senhora Celina Lopes, colocando-se inteiramente à sua disposição para a execução do tratamento dentário que ela necessita.
Não procede, em hipótese alguma, a acusação de que teria havido por parte do ente público oferta de vantagens à paciente para que mudasse sua versão sobre o caso.
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