Às vésperas do prazo final para sanção do Orçamento deste ano aprovado pelo Congresso Nacional, servidores de mais de 40 categorias vão às ruas na terça-feira, 18, e prometem paralisar temporariamente alguns órgãos federais em protesto ao governo do presidente da República, Jair Bolsonaro, na tentativa de reajuste salarial e reestruturação de carreiras.
Bolsonaro tem até sexta-feira, 21, para sancionar a lei orçamentária de 2022, que tem previsão de R$ 1,7 bilhão para aumento do funcionalismo, inicialmente prometido para policiais, que fazem parte de sua base de apoio. O presidente, entretanto, tem sido pressionado a recuar e não conceder reajuste a nenhuma categoria.
Dois atos estão previstos para serem realizados: às 10 horas, em frente à sede do Banco Central, em Brasília, e às 14 horas, em frente ao prédio do Ministério da Economia, na Esplanada dos Ministérios. O Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate) estima que cerca de 1.000 servidores devem comparecer aos protestos em Brasília, além das manifestações virtuais.
No Banco Central, por exemplo, metade dos 3.500 servidores do órgão deve paralisar as atividades entre 10 horas e 12 horas, segundo o Sindicato Nacional dos Funcionários do BC (Sinal). Os serviços essenciais serão mantidos, mas o presidente do sindicato, Fábio Faiad, afirma que alguns outros serviços podem ser afetados, como atendimento ao público, distribuição de dinheiro e acesso dos bancos a sistemas de informação.
Além do Banco Central, participam da mobilização carreiras da Receita Federal, Tesouro Nacional, professores, auditores fiscais agropecuários, entidades ligadas aos Poderes Legislativo e Judiciário e outras. Como há uma promessa de reajuste à polícia, categorias ligadas à segurança não vão aderir ao movimento.
“É um processo dinâmico. A ideia é fazer uma mobilização de êxito e, então, observar como o Executivo vai se comportar. A depender, a mobilização será ampliada e as carreiras podem entrar em greve a partir de fevereiro”, afirmou Rudinei Marques, presidente da Fonacate, que confirmou a presença de 19 categorias nos atos. O fórum representa diversas carreiras, de áreas como fiscalização agropecuária, tributária e de relação de trabalho, arrecadação, finanças e controle, gestão pública e comércio exterior.
Além da paralisação prevista para esta terça-feira, 18, as categorias também já aprovaram mais atos nos dias 25 e 26 e há um indicativo de greve geral para fevereiro.
De maneira geral, os servidores pedem a recomposição da inflação nos anos em que os salários ficaram congelados. A maioria do funcionalismo teve o último reajuste em 2017, mas algumas categorias receberam aumento em 2019. Na iniciativa privada, em que não há privilégio como a estabilidade no emprego, os reajustes nos últimos anos também não recompuseram a inflação.
Entre 2017 e 2021, o IPCA acumulou alta de 28,15%. Cada 1 ponto porcentual de reajuste linear para os servidores federais, custaria entre R$ 3 e R$ 4 bilhões para os cofres públicos, nos cálculos do diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, resiste ao reajuste e, conforme mostrou o jornal O Estado de S. Paulo na última semana, recomendou a Bolsonaro que o Executivo não deve reestruturar nenhuma carreira este ano.
Internamente, conforme revelaram o jornal O Estado de S. Paulo e o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) na última semana, o governo tenta se defender com argumentos legais para justificar a não concessão de reajuste aos servidores públicos federais neste ano. O principal deles é a eleição: está vedada a “revisão geral” da remuneração de servidores nos 180 dias anteriores ao pleito.
Publicamente, o presidente demonstrou no início deste mês que pode recuar em relação ao reajuste prometido aos policiais. Bolsonaro chegou a dizer que “pode ser que não tenha reajuste para ninguém”, o que levou a uma imediata reação de categorias representativas de policiais vinculados à União, como os federais e rodoviários. Com a promessa de Bolsonaro, a polícia não comparecerá aos atos nesta terça.
Receita
Até o momento, os efeitos da mobilização são mais sentidos na Receita Federal, que iniciou os protestos já com a aprovação do Orçamento pelo Congresso, dias antes do Natal. De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Sindifisco), quase 1300 cargos foram entregues em protesto pela regulamentação do bônus de eficiência da categoria e pela reversão do corte orçamentário sofrido na aprovação do texto pelo Congresso. A remuneração de um auditor da Receita começa em R$ 21.029,09 e pode chegar a R$ 30.303,62.
Na última semana, a operação-padrão dos auditores do órgão atingiu exportações e gerou filas de caminhões na fronteira do Brasil com a Argentina e com o Paraguai. No início do ano, foi constatada uma fila de 800 caminhões na fronteira do Brasil com os países vizinhos na região Norte. Também houve transtornos em vários portos do País.
As duas principais delegacias que fiscalizam grandes contribuintes também foram afetadas pela mobilização. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que julga em segunda instância as autuações impostas pela Receita às pessoas físicas e às empresas, ainda não conseguiu se reunir em 2022 e já suspendeu todas as sessões previstas para janeiro.
Polícia
Nas polícias, o clima ainda é de cautela e as categorias não vão participar dos atos nesta terça-feira, tendo em vista que há por parte de Bolsonaro uma promessa de reajuste ainda pendente de confirmação.
Líderes de federações e associações ouvidos pelo Broadcast afirmaram não acreditar que o presidente vá recuar e não conceder o reajuste à categoria, prometido em dezembro. Do contrário, eles afirmam que a reação será imediata e falam em “traição” e “golpe” em caso de recuo.
Na semana passada, o presidente da bancada da bala no Congresso, deputado Capitão Augusto (PL-SP), afirmou ao Broadcast que espera pela sanção do reajuste aos policiais federais apesar dos sinais do próprio presidente e que um veto seria pior para Bolsonaro.
Outras categorias
Na última sexta-feira, 14, o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe), que inclui categorias como professores federais, funcionários de instituições de ensino e da seguridade social, se uniram ao movimento. O Fonasefe pretende entregar um documento a Guedes com a pauta de reajuste de 19,99% para recompor as perdas salariais derivadas da inflação acumulada no governo Bolsonaro.
Segundo Rivânia Moura, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), associado à Fonasefe, a categoria aprovou uma rodada de assembleias de 17 de janeiro a 11 de fevereiro para deliberar sobre uma possível greve.
O que querem os servidores
Movimento deflagrado por promessa de Bolsonaro a policiais é heterogêneo, mas a maioria das categorias pede a recomposição inflacionária dos últimos anos
– Receita Federal: regulamentação do bônus de eficiência da categoria e recomposição dos cortes no Orçamento;
– Policiais: reestruturação das carreiras com reajuste salarial sem porcentual definido;
– Banco Central: Reajuste de 26,3%, além de reestruturação da carreira de analistas e técnicos do órgão. Há questões previdenciárias, além de relacionadas aos requisitos de admissão de servidores no órgão;
– Professores e outras categorias: Em um primeiro momento, buscam a recomposição das perdas inflacionárias no governo Bolsonaro, de 19,99%;
– Categorias do Judiciário (SindJus): Reajuste de 28%, que representa as perdas inflacionárias desde o último reajuste, em 2017.
Por Guilherme Pimenta e Thaís Barcellos/Estadão Conteúdo