A degradação da Saúde de Goiânia teve um episódio inusitado no início da noite de sexta-feira (7) quando dois servidores do Hospital e Maternidade Célia Câmara foram presos e levados em uma viatura para a Central de Flagrantes. A maternidade é uma das instituições que estão passando por dificuldades por falta de pagamento, inclusive dos salários dos funcionários.
A situação foi desencadeada por insatisfação com o atendimento prestado a uma gestante que, na versão do hospital, não aceitava o protocolo de classificação de risco verde, que não representa risco e poderia esperar o plantão. “A paciente citada tentou ser atendida em desacordo com o protocolo, exigindo passar à frente de outras mulheres, situação que não foi permitida pela equipe”, divulgou o hospital (leia nota adiante).
A família, entretanto, informa que a gestante estava em trabalho de parto desde 8h quando procurou o hospital e que ela teve gestações de alto risco anteriores. A mulher, inclusive, ganhou o bebê na própria Maternidade Célia Câmara após todo o tumulto. Leia adiante o relato de Igor Alves, esposo da gestante, Caroline Rodrigues.
Vídeos gravados por colegas dos dois funcionários, um maqueiro e uma enfermeira, viralizaram nas redes sociais. O rapaz teria saído em defesa da funcionária quando os PMs deram voz de prisão porque ela teria se recusado a chamar um médico para falar com os policiais. Ela também não queria esperar porque tinha que deixar o serviço para seguir para outro. O maqueiro aparece deitado no chão do corredor do hospital sendo mobilizado a força para ser algemado enquanto ela está sentada ao lado.
Os colegas gritam que era troca de turnos, que a prisão era injusta, truculenta e que nem recebendo os salários eles estavam, mas não adianta. O maqueiro chega a perder os sapatos na abordagem e a calça do uniforme hospitalar começa a sair do corpo. Com os salários em atraso, o trabalhador precisou pagar fiança de R$ 1.400 para ser liberado após ser ouvido, o que ocorreu na madrugada.
Versões diversas trataram do assunto e notas foram enviadas pelo sindicato da categoria, pela gestora da maternidade, a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (FUNDAHC), e pela PM.
A história envolve também uma lei municipal (Lei Nº 11.106/2022) em vigor há pouco mais de um ano, de autoria do vereador Igor Franco (PRTB) que garante às gestantes de Goiânia o direito de escolher entre parto normal e cesariana a partir da primeira consulta de pré-natal. A lei também permite a analgesia, mesmo quando a gestante optar pelo parto normal.
Em entrevista ao Diário de Goiás o parlamentar cita que a ideia da lei foi em virtude de a própria esposa ter passado por uma situação de demora para uma cesariana que só ocorreu com a mudança de médico, e a filha ter nascido em condições de risco e já “roxa” (baixa oxigenação).
Sobre o que se passou na Célia Câmara, ele disse que a grávida invocou o direito à lei quando foi informada de que deveria continuar em trabalho de parto até que houvesse o nascimento normal. Mas, segundo ele, o apelo pela cesariana teria sido negado pelo médico.
O marido ligou para um assessor dele que foi até a unidade e também não conseguiu fazer valer a legislação, embora a direção da unidade tenha declarado que a questão não foi essa e sim a “falta de prioridade” envolvida no caso da paciente segundo o protocolo. “O marido então chamou a polícia”, afirma o parlamentar. “Sou absolutamente contra qualquer tipo de violência, mas o contexto foi esse”, observou o vereador.
O casal no centro da história é Igor Alves, 27, e Caroline Rodrigues, 24, ambos cuidadores. Ao DG, Igor relatou que a esposa fez o pré-natal em uma unidade de saúde e tinha a indicação por escrito para fazer o parto cesáreo “pela gestação anterior, que era de risco e a bebê precisou de incubadora, por ser depressiva, muito ansiosa e outros problemas”, explicou.
Segundo ele, o médico que atendeu a gestante, entretanto, disse que não seguiria a lei apontada e sim “uma orientação da direção da unidade” para aguardar o parto normal. “Então pedi que ele escrevesse no prontuário o motivo de não fazer a cesariana e ele se recusou”, contou o marido. Ele afirma que isso ocorreu por volta das 17h, portanto, 9 horas depois da gestante chegar na unidade de saúde.
Conforme Igor Alves, o casal se retirou do consultório e foi até a recepção, onde pediu o prontuário da gestante constando a mesma informação, e novamente não foi atendido. Ciente de que o vereador Igor Franco era o autor da lei, o rapaz disse que não o conhecia, mas localizou um assessor dele que foi até o hospital e também não conseguiu contornar a situação.
“Então eu liguei para a PM. Eles chegaram na maternidade educadamente pedindo para falar com o médico, mas a enfermeira que foi presa disse que não iria chamar e deu as costas para o militar. Muita gente filmou tudo isso”, relata o cuidador. Ele segue dizendo que o PM avisou que a postura da funcionária era de desobediência e resistência e que seria conduzida à Central Geral de Flagrantes.
Foi quando o maqueiro tentou evitar e também foi detido. “Os outros funcionários ficaram gritando para fechar a maternidade e parar de atender todo mundo, mas isso não se faz”, lamentou Igor Alves.
Após o ocorrido, o marido relata que o casal permaneceu na maternidade e acabou sendo atendido após a troca de plantão. A mulher foi submetida a uma cesariana por outro médico e nasceu uma menina que passa bem. Ambas estavam internadas na Maternidade Célia Câmara na manhã deste sábado.
A assessoria da FUNDAHC comentou a versão do casal, em especial sobre a orientação da diretoria a respeito das cesarianas em confronto com a legislação. “Cesariana sem trabalho de parto é cirurgia eletiva, não é urgência. A paciente estava sendo atendida na emergência”, justificou. Também reforçou o que tinha destacado em nota mais cedo: “A paciente era classificada como ficha verde, ou seja, sem urgência. Ela seria atendida após a troca de plantão e em ordem de prioridade”. Confira a íntegra da nota abaixo.
O Hospital da Mulher e Maternidade Célia Câmara (HMMCC) esclarece que segue rigoroso protocolo de Classificação de Risco, prestando assistência às pacientes de acordo com a urgência que cada caso exige.
A paciente citada tentou ser atendida em desacordo com o protocolo, exigindo passar à frente de outras mulheres, situação que não foi permitida pela equipe.
O HMMCC lamenta a conduta ofensiva da Polícia Militar com os profissionais que seguiam as diretrizes da assistência eficaz, respeitosa e segura, e informa que a Fundahc/UFG, gestora da unidade, acionou uma advogada criminalista para conduzir a situação.
Mesmo com a triste circustância, o hospital mantém o atendimento às pacientes que procuram a Emergência da unidade. O cuidado com a saúde da população não pode parar.
Assessoria de Imprensa Fundahc/UFG
A Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO) informa que, na noite de sexta-feira, 6 de dezembro de 2024, foi acionada para atender uma ocorrência no Hospital Municipal da Mulher e Maternidade Célia Câmara, em Goiânia, relacionada a um possível caso de omissão de socorro a uma mulher grávida que passava mal.
Durante a intervenção policial, dois servidores do hospital foram detidos por desobediência e resistência, sendo conduzidos à Central Geral de Flagrantes, onde a autoridade competente, diante de todo bojo probatório apresentado, lavrou um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e uma prisão em flagrante.
A gestante, após o ocorrido, foi encaminhada para a sala de cirurgia, onde foi realizado o parto por outro médico da unidade, resultando no nascimento de uma criança do sexo feminino.
Assessoria de Comunicação/ 5ª Seção do Estado-Maior Estratégico da PMGO
SINDSAÚDE REPUDIA VIOLÊNCIA E ABUSO DE AUTORIDADE CONTRA TRABALHADORES DA SAÚDE NA MATERNIDADE CÉLIA CÂMARA
O Sindsaúde-GO manifesta sua perplexidade e indignação diante das cenas de violência e abuso de autoridade registradas nesta sexta-feira (6), na Maternidade Célia Câmara, em Goiânia, onde dois trabalhadores da saúde foram presos de forma truculenta durante a troca de plantão. As imagens chocantes retratam uma situação inadmissível e inaceitável, especialmente em um contexto no qual os profissionais da saúde já enfrentam sobrecarga de trabalho, atrasos salariais, condições precárias de atendimento e a constante falta de insumos e segurança.
De acordo com relatos de testemunhas, o episódio teve início quando uma paciente gestante, classificada como ficha verde – condição de menor gravidade e sem risco imediato à vida – chegou à unidade durante a troca de plantão. O marido da gestante, insatisfeito com o tempo de espera, acionou o assessor de um vereador, que compareceu ao local, iniciou filmagens e convocou a polícia. Quando os policiais chegaram, ignoraram os protocolos de triagem da unidade e agiram de forma autoritária e desproporcional.
O Sindsaúde se solidariza com os profissionais covardemente agredidos, lamenta profundamente o ocorrido e repudia veementemente a ação truculenta e o despreparo da polícia, que deveria agir para proteger a integridade física e emocional dos cidadãos, e não para intimidar e violentar os profissionais de saúde que dedicam suas vidas à assistência da população. A postura abusiva e desrespeitosa evidenciada no episódio não apenas fere os direitos humanos dos trabalhadores, mas também agrava a crise na saúde pública, ao desmoralizar e desvalorizar ainda mais os servidores já exaustos pelas condições degradantes enfrentadas diariamente.
É inaceitável que, em vez de serem protegidos e apoiados, os trabalhadores da saúde sejam tratados como vilões de uma crise que é resultado direto da negligência e da omissão do poder público. Principalmente, da maioria do Poder Legislativo, que foi conivente com a incompetência do poder executivo e sempre barganhou cargos e mercadejou com o sofrimento e dor das pessoas que utilizam o sistema público de saúde. É preciso identificar e punir o assessor e o vereador que tentaram fazer tráfico de influência na maternidade. Isso é inadmissível!
O Sindsaúde tem denunciado reiteradamente a falta de segurança nas unidades de saúde, onde servidores têm sido vítimas de agressões, assaltos e até estupros. Onde estava a polícia e os vereadores que sempre se omitiram? O que se presenciou hoje, no entanto, ultrapassou todos os limites: o uso do aparato estatal de forma abusiva e autoritária contra trabalhadores que apenas cumprem seu dever dentro das condições possíveis.
O Sindsaúde exige uma apuração rigorosa e transparente do caso e responsabilização dos envolvidos no abuso de poder. Reiteramos nosso compromisso em defender os trabalhadores da saúde e cobrar das autoridades uma atuação ética, justa e respeitosa, que garanta a segurança e a dignidade desses profissionais. Seguiremos acompanhando o caso de perto e tomaremos todas as medidas necessárias para que a justiça seja feita.
Sindsaúde-GO