O TCU (Tribunal de Contas da União) pode quebrar as empresas que fecharam acordo de leniência com o Ministério Público e desestimular que outras companhias corruptas busquem essa saída.
A análise é de um dos maiores especialistas em leniência do país, uma espécie de acordo de delação para empresas, o professor de direito da USP Sebastião Tojal.
Leniência é a medida recomendada, inclusive pelo juiz Sergio Moro, para empresas que se envolveram em suborno. A companhia confessa os crimes, paga uma multa e, em troca das informações que forneceu sobre os crimes, ganha o direito de voltar ao mercado.
Nada disso está acontecendo, segundo Tojal, que atuou nos acordos da UTC e da Andrade Gutierrez. Com quatro dos nove ministros investigados pela Lava Jato, há risco, segundo ele, de que tudo que o TCU fizer seja declarado ilegal.
“Se forem confirmadas as ameaças do TCU, ele será responsável por danos que serão irreparáveis por gerações”, afirmou à reportagem.
PERGUNTA – O sr. foi o primeiro a fechar acordo de leniência com AGU (Advocacia-Geral da União) e CGU (Controladoria-Geral da União) para a UTC. Há vantagem nesse pioneirismo?
SEBASTIÃO TOJAL – A grande lição que retiro é que alguns responsáveis por esses órgãos ainda não enxergaram que o acordo de leniência é muito mais a expressão de política de Estado do que de política de governo. O Ministério Público tem essa compreensão.
P – O sr. quer dizer que o governo age por interesse político?
ST – Em vários momentos existiram interferências políticas. Negociações que deveriam ocorrer em seis meses, prazo estabelecido por lei, acabaram tomando mais de ano. Ocorreram sucessivas trocas de ministros, que interrompiam negociações. Voltávamos à estaca zero. Isso é mais política de governo do que de Estado.
P – Há tentativas de proteger o PMDB, partido do presidente?
ST – Vejo esse processo com muita nitidez no TCU. Acho que o TCU está vivendo um momento crítico e uma suspeição porque vários dos seus integrantes estão sob investigação.
P – Por que há a suspeição?
ST – Pela norma processual brasileira há, em tese, um interesse dos ministros [quatro dos nove são acusados de receber propina por delatores]. Já seria suficiente para o magistrado se declarar suspeito. Há um risco de amanhã essa suspeição ser reconhecida judicialmente, trazendo como consequência a nulidade de todos os atos. A grande questão é que até que se produza esse efeito…
P – Já será tarde para as empresas?
ST – Não tenho a menor dúvida.
P – O TCU bloqueou bilhões de empresas da Lava Jato. Há risco de elas quebrarem?
ST – Não tenho a menor dúvida. Não aguentam não porque a eventual declaração de idoneidade as impedirá de serem contratadas pelo poder público, o que já é grave. A declaração traz um sério problema para o mercado, especialmente financeiro, do qual essas empresas dependem. Os bancos cortam o crédito e sobem juros. Esse é o paradoxo.
P – Qual paradoxo?
ST – A razão pela qual o TCU decreta a inidoneidade e bloqueia bens é o suposto interesse público, o mesmo que animou os acordos de leniência. Na prática é um interesse público litigando com outro. Isso não existe. Interesse público só tem um. O que se percebe é que essas ameaças que têm sido veiculadas pelos ministros nos jornais irá significar a rescisão dos acordos, que já permitiram ao MP e à CGU arrecadar mais de R$ 6 bilhões só nos acordos de leniência. Não existe semelhante resultado na história do país.
P – Esses acordos vão tornar o mercado mais ético?
ST – A empresa que faz acordo tem todo o interesse que o mercado aja lealmente. Ela não quer a concorrência desleal de quem frauda a lei. O acordo tem como subfunção permitir que as empresas autoregulamentem o setor.
P – Não seria ingenuidade acreditar nisso de empresas que cometeram crimes em série?
ST – Acho que não. Os riscos de descumprir um acordo são imensos, e os mecanismos de aferição dos acordos são muito eficazes. Para que eles funcionem é fundamental assegurar uma contrapartida à empresa. Qual? A segurança jurídica de que voltarão a poder fazer contratos com o Estado, o que não aconteceu até agora.
P – O TCU age assim porque os ministros foram indicados por políticos do PT, PSDB e PMDB?
ST – Prefiro trabalhar no plano formal: os dados objetivos mostram que o órgão está sob suspeição. Há outro problema. Em 2015, o TCU baixou uma norma atribuindo a si poderes para firmar acordo. Ela traz previsões descabidas.
P – Por que descabidas?
ST – Acaba mudando a lei. Ninguém está discutindo a competência do TCU para fiscalizar recursos públicos. Esse papel, no entanto, não permite que o TCU seja uma instância revisora dos acordos. Essa competência é da União. O tribunal é órgão da Câmara.
P – Como é no exterior?
ST – Os acordos são celebrados com MP e União e submetidos ao Judiciário para análise da legalidade. Se é para aprimorar os acordos no Brasil, poderíamos submetê-los ao Judiciário, o que não está previsto na lei. O TCU pode fiscalizar contratos de leniência, mas não cabe estipular condições. Isso não existe em nenhum país.
P – Mais uma jabutica?
ST – Essa jabuticaba não foi criada por lei. Foi autoatribuição. Se as ameaças dos ministros continuarem, isso será levado ao Judiciário. A minha preocupação é como fazer para que essas empresas sobrevivam e usufruam do acordo. Não estamos falando de pouca coisa: elas geram emprego e riqueza. Se confirmadas as ameaças do TCU, ele será responsável por danos que serão irreparáveis por gerações.
P – Tudo que o TCU tem feito sobre leniência é ilegal?
ST – Vou dar um exemplo. Num acórdão sobre a usina Angra 3, o TCU determina que as empresas se autoincriminem, mas não oferece benefícios. Isso é inconstitucional. Seria como um acordo de delação sem benefício. Se isso prevalecer, ninguém mais fará acordo.
P – O TCU pode minar a Lava Jato?
ST – É meu grande receio. Os empresários se perguntam: por que me comprometi com tanto se nada do que prometeram está se efetivando? Vou à Petrobras, portas fechadas. Vou atrás de financiamento público, portas fechadas. Isso desestimula. Sem segurança jurídica, outras empresas não vão aderir aos acordos. Não é possível combater os malfeitos agindo ilegalmente.