São Paulo – A decisão do novo presidente da Petrobras de reduzir o passivo tributário da estatal garantirá à União montante equivalente à distribuição de dividendos não realizada pela companhia em 2015. Em três operações já anunciadas, a Petrobras repassará R$ 7,4 bilhões aos cofres públicos, montante superior aos R$ 5,956 bilhões distribuídos em 2011, quando o valor dos dividendos foi impulsionado pelo lucro recorde de R$ 35,2 bilhões acumulado em 2010. Dentre os mais de R$ 7 bilhões, ao menos R$ 1,7 bilhão será pago diretamente em dinheiro neste ano. Esse número, contudo, pode subir para até R$ 4,5 bilhões, valor superior aos R$ 3,8 bilhões em dividendos repassados à União, ao BNDESPar e ao Fundo Social em 2014.
A dimensão dos números e o difícil momento financeiro enfrentado pela Petrobras alimentam a desconfiança de que a decisão da estatal de aderir a novos programas de parcelamento é mais uma saída encontrada pelo governo federal para equilibrar as contas de 2015, sem que para isso precisasse repassar recursos aos acionistas minoritários. “Não é comum que uma empresa com o atual perfil da Petrobras, endividada e exposta à variação cambial, procure o Fisco para quitar uma dívida e acabe se descapitalizando”, analisa o sócio da área Tributária do MHM Advogados, Marcello Bertoni. “O que usualmente ocorre é uma empresa, diante de dificuldades, parar de pagar os tributos e ‘se financiar’ ao máximo junto ao governo”, complementa o advogado.
Refis
A Petrobras anunciou, entre julho e agosto, a adesão de R$ 6 bilhões em passivos tributários ao Refis, com valor a pagar de R$ 3 bilhões, e mais R$ 2,8 bilhões incluídos em outro programa de parcelamento especial – a Petrobras não detalhou como efetuará tal pagamento. Há ainda o montante de R$ 1,58 bilhão atrelado a uma autuação da Receita Federal, esta comunicada pela Petrobras em julho. Tais pagamentos serão feitos em dinheiro e a partir da utilização de créditos tributários e de recursos mantidos sob a forma de depósito judicial.
Chama atenção, contudo, que, a despeito da atratividade advinda dos programas de parcelamento, a decisão da estatal ocorra antes mesmo de a empresa ser derrotada em todas as instâncias das esferas administrativa e judicial. “Se a perda é provável, a companhia precisa realizar uma provisão contábil. Mas quando a diretoria revela que tais valores não foram contabilizados, há uma indicação de que as perdas não eram consideradas prováveis”, comenta o sócio do escritório L.O. Baptista-SVMFA, Tácito Matos.
Nesse caso, se a equipe jurídica indica que não há jurisprudência consolidada de tribunais superiores desfavoráveis à tese da empresa, a adesão a programas de refinanciamento é uma escolha meramente da administração da empresa. “Desistir da discussão e aderir passa a ser uma decisão de cunho subjetivo empresarial. O que justifica uma empresa utilizar recursos de caixa (para reduzir o passivo tributário) é a existência de indícios concretos e objetivos que me levem à convicção de que não terá êxito”, explica Matos.
Reduzir o passivo tributário pode ajudar a diretoria da Petrobras a captar recursos no exterior, porém, a estratégia adotada pela estatal neste ano suscitou dúvidas. Tanto que o novo presidente Aldemir Bendine precisou se posicionar diversas vezes sobre o tema. “Queremos tirar passivo tributário da nossa frente. Estamos fazendo algo que deveria ter sido feito no passado”, afirmou Bendine em um primeiro momento. Depois, o executivo precisou ser mais direto: “Ninguém está aqui para fazer caixa para o Tesouro”, salientou o executivo.
As declarações, dadas após a divulgação do balanço do segundo trimestre, tinham razão de ser. O resultado trimestral foi impactado por uma despesa de R$ 4,4 bilhões referente ao pagamento de IOF sobre empréstimos com controladas no exterior. O efeito no lucro líquido foi de R$ 3,9 bilhões, o que reduziu o resultado final da companhia a R$ 531 milhões. No balanço do terceiro trimestre, a inclusão de débitos tributários ao Refis terá impacto equivalente a mais R$ 2 bilhões, líquido de impostos.
A conta do dividendo de 2016, portanto, terá um impacto negativo de R$ 6 bilhões, caso a Petrobras não realize nova operação de redução do passivo tributário. Bendine já deixou claro, entretanto, que a empresa poderá anunciar novas medidas caso as condições identificadas nas primeiras operações venham a se repetir. O ganho obtido pela estatal decorre do abatimento de juros e multa sobre o passivo, além da possibilidade de utilização de créditos tributários e depósitos judiciais. Hoje, o UBS reduziu a previsão de lucro por ação da estatal em 2015 de R$ 0,89 para R$ 0,18.
“Se eu fosse acionista da Petrobras, ajuizaria uma ação pedindo informações detalhadas por parte da administração”, afirmou um advogado especialista em direito tributário, que comentou o caso sob a condição de não ter sua identidade revelada. “Não digo que há um erro, mas há uma falta de transparência no fato de a empresa assumir uma despesa bilionária em um momento de dificuldade de caixa, com dívidas a vencer e com valores a serem questionados”, complementou o especialista.
Uma disputa tributária que ainda esteja na esfera administrativa pode levar entre oito e dez anos até chegar a uma decisão final no Supremo Tribunal Federal (STF), explica Bertoni. “E conseguimos dizer, com certo grau de lucidez, que em um universo de oito a dez anos possivelmente teremos novos Refis”, afirma o advogado do MHM.
Benefícios
Em meio às desconfianças de qual seria a intenção da Petrobras ao promover uma “limpeza” do passivo tributário neste momento, há uma clara visão de que, de modo geral, a adesão a programas de parcelamento é benéfica às empresas. “Se a chance de perda for maior do que a de êxito, se a jurisprudência for contrária à minha tese e se em algum momento terei que pagar, é interessante aderir ao Refis e realizar o pagamento com desconto”, explica o sócio do escritório Leal Cotrim Jansen Advogados, Márcio Leal.
“Desistir ou esperar é uma coisa de feeling do advogado que está assessorando e da própria empresa, diante da expectativa de que pode perder ou não. A Petrobras poderia esperar uma decisão madura e não desistir, mas se perdesse lá na frente teria um valor muito maior (a pagar)”, pondera o sócio da área Tributária do Demarest Advogados, Marcelo Annunziata.
Os tributos federais são reajustados pela Selic e, além disso, há a incidência de multas e juros sobre o principal, custos que são abatidos nos programas de parcelamento federais.
A Petrobras ainda defende que a eventual judicialização desses impasses “implicaria esforço financeiro de constituição de garantias” e ainda poderia resultar no cancelamento da certidão negativa de tributos federais. Sem tais certidões, explica a Petrobras, a companhia estaria impossibilitada de importar e exportar petróleo e derivados.
(Estadão Conteúdo)