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Categorias: Brasil
| Em 6 anos atrás

Saúde indígena perderá 301 de seus 372 médicos com a saída de cubanos

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A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) perderá 301 dos seus 372 médicos com o fim da participação cubana no programa Mais Médicos, ou 81% total.

Para especialistas, o êxodo repentino colapsará o atendimento ao segmento da população com alguns dos piores índices de saúde do país.

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Os números foram enviados pelo Ministério da Saúde à reportagem na sexta-feira (16), mas a assessoria de imprensa informou que não há ninguém disponível para falar sobre o assunto.

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Os médicos cubanos estão alocados em Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) espalhados por 19 estados. O Amazonas é o que reúne o maior número (78), seguido por Mato Grosso (35), Pará e Roraima, ambos com 26 cada um.

“Salvo por algumas terras indígenas relativamente próximas de cidades, nunca se conseguiu superar o vazio assistencial médico, em particular na Amazônia. Tal lacuna só foi parcialmente superada com a implantação do Mais Médicos. Agora, retornaremos ao nível anterior de desassistência”, afirma a médica sanitarista e antropóloga Luiza Garnelo, pesquisadora da Fiocruz no Amazonas.

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“O problema é particularmente grave quando sabemos que o perfil de morbimortalidade indígena é um dos piores do país. Para todos os perfis de saúde para os quais dispomos de algum dado, os indicadores encontrados para a população indígena são os piores”, afirma a pesquisadora.

Entre as estatísticas mais graves, Garnelo cita níveis elevados de anemia materna e taxas de mortalidade infantil até 20 vezes maior do que a de crianças não indígenas. Dados obtidos pela BBC via Lei de Acesso à Informação mostram que 419 crianças indígenas de até 9 anos morreram de desnutrição entre 2008 e o início de 2014. 

O número representa 55% dos óbitos por esse motivo no país durante o período, apesar de os índios serem somente 0,4% da população. A pesquisadora diz que, apesar de a Sesai não disponibilizar dados epidemiológicos, não há dúvidas de que os cubanos tiveram um impacto positivo na saúde indígena, pese problemas de logística e de infraestrutura para o atendimento.

“Entretanto havia uma resposta do estado no atendimento a esses povos. Agora, por razões que só posso qualificar como fúteis e insensíveis, de um governo que ainda nem assumiu e já provoca tamanho destroço na vida dos cidadãos, ocorre uma saída precipitada e sem qualquer planejamento de tão grande número de profissionais, sem qualquer substituição efetiva à vista.”

PIUNS E VOADEIRAS

Um dos DSEIs mais atingidos será o do Rio Tapajós, no oeste do Pará, região habitada pela etnia mundurucu. São dez médicos cubanos e apenas um brasileiro para uma população de quase 15 mil indígenas.

“Eles pegavam chuva e sol todos os dias, com piuns [espécie de mosquito], sem internet. Vários dias sentados nas voadeiras [lanchas], sem poder encostar as costas para descansar e muitas vezes comendo a comida a que não eram acostumados. Faziam com amor de estar ali com os pacientes. E agora????”, escreveu a liderança munduruku Alessandra Korap, em sua página pessoal no Facebook.

“É praticamente certo que haverá aumento nas taxas de mortalidade infantil e mortalidade materna. As gestantes não terão acesso a consultas pré-natal com médicos”, diz o médico Paulo Basta, supervisor do programa Mais Médicos no DSEI Tapajós e pesquisador em saúde pública na Fiocruz.

“Problemas de saúde que poderiam ser controlados e adequadamente manejados no território indígena terão de ser encaminhados para avaliação nas redes dos municípios de referência. Esse fato ocasionará um enorme impacto na rede municipal de saúde, com aumento da demanda por atendimento e nas filas de espera por consulta, dificuldades de acesso a exames complementares, entre outros problemas.” 

“Ocorrerá uma enorme desestruturação do serviço de saúde prestado às populações mais vulneráveis do país. Após anos de trabalho duro, sério e comprometido, as conquistas serão perdidas”, lamenta o médico, que trabalha há duas décadas com saúde indígena.

FIM DA PARCERIA

O governo de Cuba anunciou na quarta-feira passada (14) o fim de sua participação do Mais Médicos no Brasil.

Em nota divulgada pelo Ministério da Saúde do país caribenho, a decisão foi atribuída a questionamentos feitos pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), à qualificação dos médicos cubanos e ao seu projeto de modificar o acordo, exigindo revalidação de diplomas no Brasil e contratação individual.

“Condicionamos a continuidade do programa Mais Médicos à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou”, afirmou Bolsonaro, por meio de sua conta no Twitter, após a decisão anunciada pelo governo cubano. 

“Além de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na integridade dos cubanos”, acrescentou, mais tarde, o presidente eleito. 

Diferentemente do que acontece com os médicos brasileiros e de outras nacionalidades, os cubanos do Mais Médicos recebem apenas parte do valor da bolsa paga pelo governo do Brasil. Isso porque, no caso de Cuba, o acordo que permite a vinda dos profissionais é firmado com a Opas (Organização Panamericana de Saúde), e não individualmente com cada médico.

Pelo contrato, o governo brasileiro paga à Opas o valor integral do salário, que, por sua vez, repassa a quantia ao governo cubano. Havana paga uma parte aos médicos (cerca de um quarto), e retém o restante.

Um dos programas mais conhecidos na saúde, o Mais Médicos foi criado em 2013, na gestão da então presidente Dilma Rousseff (PT), para ampliar o número desses profissionais no interior do país. Ainda no lançamento, o programa gerou atrito com entidades médicas devido à dispensa de revalidação de diploma para médicos estrangeiros, contratados como “intercambistas”.

No ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a ausência de revalidação de diploma era constitucional.

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