Um dos bichos mais estranhos do planeta pode ter a resposta para o ser humano diminuir os danos provocados por ataques do coração e derrames. Convém acrescentar: provavelmente também é um dos bichos mais feios, um “ET” vivendo em colônias como formigas debaixo da superfície de desertos do leste africano.
Seu nome dá uma indicação da sua “beleza”: rato-toupeira pelado (nome científico Heterocephalus glaber). Não tem pelos, tem uns olhinhos ruins que não fariam inveja a um Mr. Magoo e só uma fêmea-rainha e dois ou três machos fazem sexo; mas, em compensação, tem dois dentes enormes e protuberantes que usa para cavar túneis atrás de comida.
Esses animais “lidam com uma atmosfera de oxigênio extremamente baixo e dióxido de carbono elevado nos seus sistemas de tocas subterrâneas. Porque cada aspecto da biologia do rato-toupeira pelado parece ser incomum e bizarro de alguma forma, talvez não seja surpreendente que tenham evoluído um meio particular de tolerar condições de baixo oxigênio”, escreveram dois pesquisadores -Jay F. Storz (Universidade de Nebraska, EUA) e Grant B. McClelland (Universidade McMaster, Canadá)-, comentando a descoberta.
O novo estudo foi publicado na última edição da revista científica americana “Science” pela equipe coordenada por Jane Reznick e Gary R. Lewin (ambos do Centro Max Delbrück para Medicina Molecular, na Alemanha) e Thomas Park (Universidade de Illinois, nos EUA).
A equipe mostrou que os ratos-toupeira pelados podem tolerar uma atmosfera de “hipóxia”, de pouco oxigênio, apenas 5% -21% é o normal do ar ambiente-, durante cinco horas sem estresse indevido, enquanto camundongos morreram de asfixia em menos de 15 minutos nessas condições.
Sob “anóxia” completa (0% de oxigênio), camundongos e ratos-toupeira rapidamente perderam consciência. No entanto, enquanto os camundongos passaram rapidamente o ponto de não retorno e não puderam ser ressuscitados, mesmo reexpostos ao ar ambiente, os ratos-toupeira pelados se recuperaram completamente depois de 18 minutos de anóxia.
E não apresentaram danos em órgãos vitais como cérebro e coração, algo que pode acontecer com vítimas humanas de infartos ou derrames.
A equipe demonstrou o motivo: os animais africanos “ligavam” um modo alternativo de produção e consumo de energia que não dependia da via comum que usa oxigênio e o açúcar glicose, mas passava a utilizar outro açúcar, a frutose (como diz o nome, mais associado a frutas). É como um motorista de táxi que busca uma rota alternativa quando confrontado com um congestionamento, segundo Storz e McClelland.
“O rato-toupeira pelado nos forneceu pistas muito importantes sobre como a frutose é útil para mamíferos, pois até agora ela só tinha sido associada à obesidade”, disse à reportagem a pesquisadora Jane Reznick.
“Frutose no momento certo e em quantidades corretas e no lugar certo pode ser importante em certos estados estressantes, como a hipóxia. Nós vamos tentar e desenvolver terapias tanto para um tecido que está lutando em um estado hipóxico, como um coração na doença cardíaca e obesidade, bem como um mecanismo de resgate durante um episódio isquêmico”, afirmou Reznick.
Ela lembra que, apesar de ainda se estar longe de usar os resultados da pesquisa em termos clínicos, é algo “que promete”, pois se trata de um mamífero cujo material genético é próximo ao do ser humano, ao contrário de algumas raras tartarugas e peixes, os campeões naturais na sobrevivência em ambientes hipóxicos e anóxicos.
No mínimo, o rato-toupeira pelado é um melhor modelo animal para pesquisa. Ele tem um mecanismo de produção de energia “que religa uma via já existente. Ele faz isso suprimindo e ativando certos genes, presentes em humanos, mas não expressos em todos tecidos”.
Já no animal esses genes são expressos em todos os tecidos todo o tempo, permitindo a rápida transição da via oxigênio/glicose para a via anaeróbica/frutose. Se for descoberto como esses programas genéticos são regulados, “então talvez nós possamos ativá-los em humanos”, diz a pesquisadora.
Para seu colega de pesquisa, Thomas Park, “normalmente, teríamos apenas alguns minutos para obter ajuda médica antes que nossas células cerebrais fiquem sem energia e comecem a morrer. Se pudéssemos ativar a via de frutose, que não requer oxigênio, poderíamos estender significativamente essa janela de tempo”.
“Nós já temos os mesmos transportadores de frutose e enzimas, mas em quantidades muito pequenas para ser útil durante um ataque cardíaco devastador. Mas agora que sabemos sobre a via de frutose, podemos tentar encontrar formas de aumentar as quantidades de transportadores e enzimas”, diz o pesquisador.
O comentador McClelland concorda. “Como muitas patologias podem levar à redução da entrega de oxigênio aos tecidos e, portanto, causar danos ao tecido, é importante examinar a maneira como os ratos-toupeira pelados evitam esse problema”, disse à reportagem o pesquisador.
“Pode ser que possamos ser capazes de imitar esta estratégia farmacologicamente, por exemplo, induzindo a expressão de transportadores de frutose e enzimas para ajudar a prolongar a sobrevivência do tecido em anóxia”, diz McClelland. (Folhapress)