Relatório divulgado nesta quinta-feira (11) pela organização Médicos Sem Fronteiras mostra que tem aumentado os casos de violência e maus-tratos a imigrantes centro-americanos que tentam atravessar o México em sua tentativa de alcançar a fronteira deste país com os EUA.
Realizado principalmente entre os anos de 2015 e 2016, o relatório mostra que 68,3% dos entrevistados afirmaram ter sido vítimas de violência em território mexicano.
Desde o título, “Forçados a fugir do Triângulo Norte da América Central: Uma Crise Humanitária Esquecida”, o informe pede que os casos tratados hoje pelos governos da região como temas relacionados à imigração ilegal passem a ser vistos como “uma crise humanitária”. “Porque são resultado da imensa violência interna dos países de onde vêm essas pessoas. Esse é um drama que vem recebendo muito pouca visibilidade por parte da mídia se compararmos com a atenção dada a conflitos em outras regiões do mundo”, disse à reportagem, por telefone, Marc Bosch, coordenador-geral do Médicos Sem Fronteiras no México.
Os três países que conformam o chamado Triângulo do Norte (Guatemala, Honduras e El Salvador) têm hoje índices de homicídio comparáveis aos de regiões consideradas formalmente em guerra, devido ao confronto entre gangues formadas nos anos 1990 nos EUA por imigrantes ilegais. Uma vez deportados a seus países de origem, esses criminosos se reagruparam em facções que hoje possuem mais de 70 mil membros e disputam território entre si. Entre outros crimes, extorquem a população local e praticam tráfico de drogas, sequestros e assassinatos.
“O perfil da maioria dos imigrantes ilegais centro-americanos hoje não é o daquele que sai do seu país por questões econômicas, para buscar trabalho ou melhores condições de vida. Mais da metade são pessoas, famílias inteiras, que querem fugir dessa violência”, diz Bosch.
Os entrevistados dizem ter sofrido ameaças, ataques ou tentativas de extorsão. Um dos principais temores é o de que seus filhos sejam recrutados à força por essas gangues.
Durante a longa travessia por território mexicano, a pé ou a bordo de trem, o famoso “La Bestia”, os refugiados topam com violência oriunda de duas forças. Uma, a dos cartéis de narcotráfico. “Eles sabem por onde os migrantes vão passar, conhecem as rotas oficiais e as alternativas, e esperam por eles para rouba-los, atacar as mulheres, sequestra-los”, diz Bosch.
Outra é provocada pelo próprio Estado mexicano. Por razões políticas, visando melhorar sua relação com os EUA, agora ainda mais durante a gestão Donald Trump, este tem sido muito mais duro em relação a permissão de entrada dos centro-americanos. De cada dez imigrantes ilegais que cruzam a fronteira entre o México e os EUA, hoje, nove são centro-americanos.
“Uma vez que os mexicanos aumentam os controles na fronteira sul e as deportações, os centro-americanos tentam cruza-la de forma ainda mais perigosa, expondo-se ainda mais aos ataques dos criminosos”, resume.
A violência contra as mulheres também é algo constante. Segundo o relatório, o Médicos Sem Fronteiras atendeu a 166 vítimas de violência sexual, das quais 60% foram estupradas e as demais sofreram outros tipos de agressão, como a nudez forçada. É comum que as centro-americanas, antes de empreender a viagem rumo ao norte, já tomem previamente anticoncepcionais, sabendo que podem ser vítimas de violação.
Mas nem tudo é má notícia, conta Bosch. Durante sua atuação no país, a organização vem notando “um envolvimento cada vez maior de grupos da sociedade civil, ligados ou não à Igreja, no México, que montam abrigos ou se organizam para ajudar a alimentar ou a atender os imigrantes que necessitam de auxílio. Isso é bom, mas ainda insuficiente.”
Para Bosch, a perspectiva da construção do muro ao norte, como prometeu Trump em sua campanha, ou de aumento de restrições migratórias por parte do México será uma política “pouco eficiente, pois ninguém desiste de migrar caso a situação em seu país de origem seja grave. E a situação no Triângulo do Norte é muito grave. Por isso o imigrante tenta outra via, e coloca ainda mais sua vida e a de sua família em risco”, resume. (Folhapress)