Com o tema da formação educacional de surdos no Brasil, o Enem deste ano apresentou aos candidatos dados para os quais nem gestores públicos têm explicações claras.
A prova pediu um texto argumentativo com uma proposta de intervenção que respeitasse os direitos humanos.
Como subsídio, foram apresentados quatro “textos motivadores”: o capítulo de uma lei sobre o tema, um trecho sobre a história da educação de surdos, uma propaganda contra preconceito a esse público e um gráfico que mostra uma queda no número de matrículas de alunos com surdez no Brasil.
Os dados de matrícula foram retirados das edições de 2011 a 2016 do censo da educação básica realizado pelo Inep, instituto ligado ao Ministério da Educação que também é responsável pelo Enem.
Os números mostram que, desde 2011, a quantidade de estudantes com surdez no ensino básico do país caiu 23%.
A queda foi mais acentuada (43%) nas classes exclusivas para esse público, mas ocorreu também nas turmas regulares, que registraram 15% menos matrículas.
O movimento surpreendeu especialistas, já que vêm crescendo as matrículas da educação especial, que incluem alunos com qualquer tipo de deficiência. Por que o contrário ocorreria com os surdos?
Presidente-executiva do Movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz diz serem necessários dados mais aprofundados para entender o fenômeno. Até por isso, em sua opinião, embora o tema seja importante, não é adequado para um exame como o Enem.
“Bons alunos podem ter se sentido travados com um tema tão específico. O receio é que o exame não consiga discriminar o aluno que tem bom texto e o que não tem”, afirma. “Uma consequência muito positiva seria o próprio
Ministério da Educação se posicionar sobre a questão proposta aos candidatos.”
Procurado, o MEC não explicou nesta segunda (6) a queda nas matrículas. A pasta indicou o Inep para falar sobre a pertinência da proposta de redação. A presidente do órgão, Maria Inês Fini, diz que “os textos associados ao tema proposto não representam teses a serem defendidas ou refutadas, mas dados e informações que auxiliem a reflexão que antecede a escrita”.
Entidade que representa os secretários estaduais de Educação, o Consed tampouco soube explicar a queda de matrículas de alunos surdos.
Presidente do órgão e titular da área no Ceará, Idilvan Alencar disse que quem deveria ter a explicação para o fenômeno é o governo federal, que faz o censo dos alunos.
Sem dados claros disponíveis, alguns educadores que trabalham com alunos surdos levantam uma hipótese para a questão: os estudantes poderiam estar abandonando a escola por não se adaptarem a uma mudança recente na política de inclusão, que privilegia a matrícula de pessoas com deficiência em classes regulares em detrimento das classes com atendimento especializado.
Embora a hipótese não explique por que o número de matrículas está caindo também nas classes especiais, ela reflete uma queixa comum entre profissionais da área. Eles reclamam que a inclusão em turmas regulares não foi acompanhada de um número suficiente de intérpretes de língua de sinais, nem de diversificado material didático voltado para esse público.
“Com o fim das escolas especiais, os surdos foram retirados a fórceps dos ambientes de onde estavam e foram colocados em escolas regulares, sem nenhum tipo de cuidado. Então, eles simplesmente saíram da sala de aula, evadiram”, diz Patrícia de Faria do Nascimento, doutora em linguística pela UnB (Universidade de Brasília) com enfoque em Libras.
Para Sabine Antonialli Arena Vergamini, 48, diretora do centro de educação para surdos Rio Branco, é preciso entender que há diversas realidades no universo dos surdos e, segundo suas necessidades, um tipo de encaminhamento escolar é o mais indicado.
“O sujeito surdo está excluído de qualquer sistema de educação, seja numa classe dita inclusiva ou na educação especial. Estar no mesmo espaço físico que outros alunos não quer dizer estar incluído.”
Para ela, um caminho interessante é o das escolas bilíngues, que adotam tanto o ensino da língua portuguesa como o de língua de sinais.
“Não é possível achar que apenas colocar um intérprete de Libras irá resolver a vida escolar de uma criança que nasceu surda”, afirma.
Para Patrícia Luiza Ferreira Rezende, que é professora do Instituto Nacional de Educação de Surdos, a “falta de política linguística na educação de surdos” é a razão do abandono escolar.
“Os surdos devem ser educados nas escolas específicas que atendam suas peculiaridades linguísticas e culturais”, afirma Rezende.
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