A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República deixou Raí triste e assustado. Ídolo de São Paulo e Paris Saint-Germain, o atual executivo de futebol do clube paulista disse ter tentado convencer eleitores indecisos às vésperas do segundo turno a votarem em Fernando Haddad (PT), mas afirmou que a sigla do ex-presidente Lula chegou às eleições com muitos problemas diante do eleitorado.
“Quando senti uma abertura, tentei convencer. Acho que mudei alguns votos, mas não tanto quanto gostaria. A grande maioria dos grandes partidos de esquerda não apoiava abertamente Haddad”, explicou Raí em entrevista publicada nesta quarta-feira (31) pelo jornal esportivo francês L’Equipe. “Mas como convencer os eleitores se nem o PT conseguiu convencer seus pares? Assim, fica ainda mais difícil.”
Embora não tenha declarado nominalmente o voto a Fernando Haddad na entrevista, Raí demonstrou incômodo com o resultado das eleições -especialmente por conta dos “valores absurdos e repugnantes” defendidos por Bolsonaro e por seus eleitores.
“Na semana passada, eu só pensava em política, valores, no futuro, meus amigos… Fui votar com convicção, escolhendo a opção com a qual mais me identifico. Eu estava preocupado, mas eu tinha uma pequena esperança dentro de mim. Depois dos resultados, fiquei triste e até assustado quando vi as reações do povo celebrando a vitória de um candidato que já mostrara valores absurdos e repugnantes”, declarou.
Questionado a respeito do apoio de jogadores e ex-jogadores à candidatura de Jair Bolsonaro, como Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo e Felipe Melo, Raí avaliou o posicionamento como uma aposta conservadora em uma mudança. “Eles o apoiam porque acreditam em um país melhor com ele. O futebol é um reflexo da sociedade. Especialmente seu lado conservador e suspeito”, disse Raí.
O ex-jogador ainda avaliou a falta de posicionamentos contrários ao presidente eleito no meio futebolístico. “Eu acho que é por falta de cultura, cultura política também. Eles [jogadores críticos a Bolsonaro] não se expressam com ceticismo, têm medo da agressividade do público e porque se sentem minoria entre os jogadores de futebol.”
Ao jornal, Raí justificou a eleição de Bolsonaro como o resultado do desejo do brasileiro por uma mudança, “às vezes guiada pelo ódio”. “Não tenho dúvidas de que muitos brasileiros não acreditam que o novo presidente ponha em prática os terríveis preconceitos inaceitáveis que ele falou em público. Espero que eles estejam certos… Mas para ter certeza disso, precisamos de uma forte resistência da sociedade civil e da oposição, que deve ser cuidadosa, agir com inteligência e, se possível, agir com amor ao próximo. Essa é uma noção essencial”, disse Raí, que foi além.
“‘É preciso endurecer, mas sem perder a ternura jamais.’ Esta frase (de Che Guevara) é mais do que nunca relevante. Eu não defendo o comunismo, mas sim um novo humanismo democrático, inclusivo e sustentável. Devemos procurar um novo modelo de esquerda que seja eficaz e nos represente. Nós também precisamos de novos líderes.”
Ao jornal francês, o dirigente são-paulino afirmou que a democracia brasileira precisará “mostrar que as nossas instituições são sólidas e incorruptíveis quando se trata de defender os valores essenciais da democracia ligados à nossa constituição”. Entre tais valores, citou o respeito à diversidade, os direitos das minorias e das mulheres, a igualdade de gênero, o meio ambiente e redução das desigualdades sociais, entre outros.
“A revolução muitas vezes passa por resistência”, afirmou. “A onda de Bolsonaro é o resultado de uma migração de todo o mundo para a extrema-direita. Em média, 25% da população mundial está se movendo nessa direção. Esta é uma figura impressionante e preocupante, que também é explicada pelos fracassos da esquerda democrática e da social democracia em que estou incluído”, completou Raí, que pediu uma reinvenção da esquerda “sem perder a essência de sua ideologia”.