São Paulo – Um dos principais temores relatados pelos empresários brasileiros e estrangeiros presentes no Fórum Econômico Mundial, em Davos, é a possibilidade de racionamento de energia. Analistas dizem que o impacto na economia seria bem menor do que no apagão de 2001, algo em torno de 0,5 ponto porcentual, mas, como o Produto Interno Bruto (PIB) já está rodando perto de zero, isso significa que a restrição na oferta de energia levaria o Brasil à recessão.
O efeito exato do racionamento na economia é muito difícil de quantificar, até porque existem diversas incertezas sobre como e quão longa seria essa restrição. A consultoria PSR, especializada no setor, estima que o risco de corte no fornecimento já passa de 50% nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Eles também trabalham com uma redução na carga de 5% a partir de maio, mas a necessidade desse porcentual só deve ficar mais clara ao fim do período chuvoso. Fontes de uma empresa do setor de geração e distribuição estimam corte de 10% durante um período de oito meses.
Com base em uma estimativa de corte de 5% a 10%, Fernando Camargo, sócio da consultoria LCA, diz que o racionamento tenderia a tirar cerca de 0,5 pp do PIB se tomado isoladamente, ou seja, eliminando todas as outras variáveis. Atualmente, a consultoria estima crescimento zero para o PIB este ano, o que ainda não leva em conta inteiramente o risco de apagão.
O economista-chefe do HSBC para América Latina, Andre Lóes, escreveu em relatório no ano passado que o racionamento de 2001 teve um forte impacto no PIB. No primeiro trimestre daquele ano, a economia estava crescendo a uma taxa de 4% no acumulado de quatro trimestres, mas terminou o ano a um ritmo de 1,3%, ou seja, uma queda de 2,7 pp. “Não podemos dizer que tudo foi por conta do racionamento, já que 2001 também foi o ano do default da Argentina, mas cerca de 1,7 pp da queda pode ser atribuído à restrição de energia”, comenta ele em entrevista ao Broadcast, serviço tem tempo real da Agência Estado. Naquele ano, o apagão estabeleceu corte de 20% por um período de oito meses.
Lóes pondera que hoje um racionamento teria um impacto muito menor no PIB, até porque, como esse risco já vem sendo aventado desde o ano passado, muitos investidores já reviram decisões de investimento. Além disso, com os níveis de confiança de empresas e famílias já bastante baixos, não haveria muito para onde cair. Ele prefere não prever um impacto do racionamento no PIB, mas diz que, se realmente isso se confirmar, sua previsão atual, de contração de 0,5% da economia, teria de ser revista para baixo.
Camargo, da LCA, também traça diferenças entre a situação em 2001 e agora. Segundo ele, um racionamento hoje tenderia a ter um impacto menos disseminado, com efeito pontual sobre grandes consumidores, que já estão com margens bastante apertadas e assim simplesmente interromperiam a produção. É o caso de siderúrgicas e produtoras de alumínio.
José Soares, vice-presidente e analista sênior da Moody’s para o setor elétrico, diz que um racionamento certamente teria um impacto negativo no PIB. “O ano de 2015 vai ser muito difícil. Teria de chover muito acima da média nos próximos meses e mesmo assim não se recuperariam os níveis históricos dos reservatórios, o que significa continuar usando as térmicas, a um custo alto, com impactos na inflação e na atividade econômica”, afirma. Ele lembra que, apesar de a energia hidrelétrica representar 67% da matriz brasileira, ainda responde por 73,9% da geração efetiva de energia. Já a participação das térmicas subiu de 9,7% em 2011 para 24,5% no ano passado.
Uma possibilidade levantada pelo superintendente do Departamento Econômico do Citi Brasil, Marcelo Kfoury Muinhos, é que o racionamento faça com que o governo da presidente Dilma Rousseff desista do ajuste fiscal. “Se o PIB ficar muito negativo, o (ministro da Fazenda) Joaquim Levy pode enfrentar dificuldade para aprovar as medidas de ajuste fiscal”, diz.
Luiz Augusto Barroso, da PSR, vê a situação por um prisma diferente. Para ele, o racionamento pode acabar ajudando o governo, em certo sentido. “Mantendo o espírito que 2015 é o ano da ‘arrumação da casa’, um racionamento viria para – infelizmente – ajudar a arrumar o setor de vez. É apenas um remédio muito ruim para um setor que há três anos estava muito bem organizado”, opina.
Alexandre Moana, diretor técnico da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco), aponta que, diferentemente de 2001, quando o problema era de geração, ou seja, não havia água nas represas para girar as turbinas das usinas, as informações disponíveis atualmente apontam para um problema de potência, o que quer dizer que mesmo produzindo a pleno vapor todas as unidades não dariam conta da demanda, especialmente em horários de pico de consumo. “O problema é de infraestrutura, não é mais de água.”
Ele diz que a única solução é o governo adotar campanhas publicitárias para incentivar a economia de energia por parte das residências e comércios, onde o consumo cresceu 68,6% e 81%, respectivamente, nos últimos dez anos. “Em 2001, as pessoas tinham TVs de tubo de 29 polegadas, que gastavam 110 watts. Hoje em dia, TVs de plasma de 50 polegadas podem gastar até 585 watts. Há espaço para apertar o cinto, sim”, explica.
(Estadão Conteúdo)