A chanceler alemã, Angela Merkel, em uma rara visita à Rússia, disse que Berlim e Moscou devem manter o diálogo apesar de suas divergências, as quais ficaram manifestas durante seu encontro com o presidente russo, Vladimir Putin, nesta terça (2).
Na coletiva de imprensa após uma reunião na estância russa de Sochi, no Mar Negro, ambos divergiram sobre a situação da Ucrânia, o respeito russo pelos direitos civis e as acusações de que Moscou está interferindo nas eleições de outros países.
A linguagem corporal dos dois líderes sugeria certa tensão: suas expressões faciais mantiveram-se severas enquanto falavam com repórteres e os dois mal se olharam durante a coletiva.
“Sou sempre da opinião que, mesmo que haja visões bastante diferentes em alguns assuntos, as negociações devem continuar”, disse Merkel. “Você deve prosseguir, pois, caso contrário, cai-se no silêncio e há menos e menos compreensão.”
A chanceler alemã faz sua primeira visita à Rússia desde que Moscou anexou a península ucraniana da Crimeia, em 2014, um movimento que desencadeou o pior momento entre Moscou e o Ocidente desde o fim da Guerra Fria.
Como a Alemanha é a titular da presidência rotativa do G20 neste ano, Merkel tem se reunido com membros importante do grupo para preparar a reunião de cúpula.
Questionada se temia que a Alemanha pudesse estar sujeita às tentativas russas de interferir nas próximas eleições parlamentares divulgando notícias falsas, Merkel assumiu uma posição firme.
“Eu não sou uma pessoa ansiosa e vou disputar a eleição com base nas minhas convicções”, disse ela, acrescentando que os alemães agiriam de forma resoluta com respeito a quaisquer casos de divulgação de informações falsas.
Já Putin ficou furioso com a sugestão de que a Rússia buscou interferir nas eleições presidenciais dos EUA e que estaria planejando fazer o mesmo na Europa.
Segundo ele, as acusações de que Moscou teria influenciado a eleição presidencial dos Estados Unidos no ano passado são “simples rumores” e o resultado de batalhas políticas internas nos EUA.
“Nunca interferimos na vida política e nos processos eleitorais de outros países e não queremos que ninguém interfira na nossa vida política”, disse Putin.
O líder russo acrescentou ainda que potências estrangeiras tentaram intrometer-se na política russa muitas vezes nos últimos anos, inclusive por meio de organizações não governamentais.
Com relação ao conflito no leste da Ucrânia, onde separatistas pró-Moscou lutam contra o governo de Kiev, Putin e Merkel disseram que concordaram com a necessidade da plena implementação do acordo de Minsk, um tratado de paz negociado entre vários países e que agora está paralisado.
Putin, no entanto, lançou um ataque contra a administração pró-ocidental em Kiev, dizendo que ela -e não a Rússia ou seus aliados- estava forçando a região separatista a se afastar da Ucrânia, o que diverge da posição de Berlim.
“Os acontecimentos no leste da Ucrânia são o resultado de um golpe de Estado, uma mudança de poder inconstitucional em Kiev”, disse Putin, referindo-se a protestos de rua que forçaram o líder anterior da Ucrânia, que se inclinava para Moscou, a deixar o poder.
Questionado sobre o recente ataque químico na cidade síria de Khan Sheikhoun, que governos ocidentais afirmaram ter sido perpetrado pelo governo sírio, Putin defendeu uma investigação imparcial dos fatos.
“Aqueles que forem culpados devem ser encontrados e punidos, mas isso só pode ser feito após uma investigação imparcial”, disse.
Tocando em um ponto sensível para as autoridades russas, Merkel disse que havia manifestado a Putin preocupação com a repressão a protestos anti-Kremlin, bem como a respeito de outras questões que organizações de direitos humanos dizem ser motivo de alarme.
Entre elas estão as acusações, negadas pelas autoridades locais, de que homossexuais estão sendo detidos e torturados na região russa da Chechênia. Além de uma uma decisão da Suprema Corte russa que classificou o grupo religioso Testemunhas de Jeová como uma organização “extremista” e determinou o confisco de suas propriedades pelo Estado.
“Temos ouvido alguns relatos muito negativos sobre o tratamento dos homossexuais na Chechênia e pedi ao presidente Vladimir Putin que usasse sua influência para garantir os direitos das minorias na região, bem como como o das testemunhas de Jeová” na Rússia, disse Merkel. (Folhapress)