Mais de 200 mil pessoas protestaram no sábado (20) em toda a Venezuela em uma tentativa da oposição de dar uma clara “demonstração de força” ao presidente Nicolás Maduro, após quase dois meses de protestos violentos que exigem a convocação de eleições.
Em Caracas, a polícia usou gás lacrimogêneo para dispersar a multidão, que caminhava na direção do Ministério do Interior, no centro, partindo da principal via da capital.
A oposição calculou mais de 160 mil pessoas nas ruas da capital, para exigir a saída de Maduro do poder.
Ao menos 46 pessoas ficaram feridas, segundo o prefeito de Chacao (leste do país), Ramón Muchacho. A Procuradoria confirmou que uma mulher foi atropelada por um veículo e uma investigação está em curso.
A oposição voltou às ruas depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) -acusado de servir ao governo- assumiu em 30 de março as funções do Parlamento. Anulada parcialmente após forte pressão internacional, a decisão provocou a entrada dos Estados Unidos no conflito.
Na quinta-feira (18), o Tesouro americano impôs sanções econômicas a oito magistrados do TSJ, acusando-os de usurpar as funções da Assembleia. A medida implica o congelamento dos bens que eles possam ter nos Estados Unidos.
“Temos que permanecer nas ruas 50, ou mil dias a mais, o que for necessário até que Maduro aceite eleições, ou saia”, defendeu o estudante Antonio Moreno, de 21 anos, que estava com um escudo de madeira improvisado com a palavra “resiste”, para se proteger de eventuais bombas de gás.
Uma multidão exibia cartazes com frases como “#Chega de ditadura!”, “Eleições Já”, em meio a barricadas armadas com troncos e pedras e um gigantesco tanque de metal, uma proteção das ações da polícia.
Ao contrário do que a oposição previa, a marcha de sábado mobilizou menos pessoas do que a passeata realizada em 19 de abril, em meio à maior onda de protestos no país. Em sete semanas, além de 47 mortos, foram centenas de feridos e quase 2.200 detidos. De acordo com a ONG Foro Penal, ao menos 161 pessoas foram encarceradas por ordem de tribunais militares.
“Isso foi um massacre contra o povo, mas, apesar de tudo, quanto mais repressão, mais resistência e luta pela Venezuela”, declarou o líder opositor Henrique Capriles, antes de iniciar a caminhada para o Ministério do Interior.
“Convidamos a marchar todo o dia que for necessário até que haja uma mudança na Venezuela”, insistiu Capriles.
“Bandido, corrupto, você vai sair”, gritou.
Já em San Cristóbal, no estado de Táchira, fronteiriço com a Colômbia, mais de 40 mil pessoas foram às ruas, (segundo cálculos da AFP). Esta semana, o presidente Maduro ordenou o envio de 2.600 militares para “preservar a paz” nessa região, após violentos distúrbios.
Nos últimos dias, aumentaram as mortes por ferimentos a bala em atos relacionados aos protestos. Vários policiais e militares já estão sendo investigados. Alguns desses fatos aconteceram em Táchira.
‘NEGOCIAÇÃO DEFINITIVA’
Em outra parte da cidade, no palácio presidencial de Miraflores, Maduro receberia mais de 2.000 trabalhadores (segundo cálculos da AFP), um mar vermelho, a cor do chavismo. Cantando e dançando, o grupo partiu do centro de Caracas para expressar seu apoio à Assembleia Constituinte “popular”, convocada recentemente pelo presidente. Porém, Maduro não apareceu para recebê-los.
O país está completamente dividido e quase paralisado, em meio a uma grave crise econômica. Os opositores denunciam uma “repressão selvagem” do governo, enquanto Maduro os acusa de apelar para o “terrorismo” para dar um golpe de Estado com financiamento dos Estados Unidos.
Em declarações neste sábado, o o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, defendeu que a única saída para resolver a crise política na Venezuela é a realização de eleições gerais imediatas, e, para isso, chegou o momento da “negociação definitiva”.
Em mensagem de vídeo, Almagro assinalou que o número elevado de mortos nos protestos na Venezuela é consequência “de um regime obstinado com não reconhecer que a única saída viável para a crise em que o país mergulhou é a convocação de eleições gerais já”.
LEALDADE MILITAR
Analistas concordam que, depois de mais de um mês e meio de protestos, o desafio da oposição é permanecer nas ruas de maneira pacífica.
“O êxito de um protesto depende de sua massificação e permanência”, avalia Luis Vicente León, presidente do instituto de pesquisa Datanálisis.
Ele adverte que, se as manifestações se tornarem violentas, “perdem impacto”.
Considerado herdeiro político do presidente Hugo Chávez (1999-2013), Maduro enfrenta a rejeição de sete em cada dez venezuelanos, segundo pesquisas de institutos privados, em meio à devastação econômica, acentuada pela queda nos preços do petróleo a partir de 2014.
Seu principal apoio vem das Forças Armadas, que têm enorme poder político e econômico e que, em várias ocasiões, expressou sua “lealdade incondicional”.
O ministro da Defesa e chefe da instituição, general Vladimir Padrino López, pediu esta semana aos opositores que não se enganem, pois, segundo ele, os militares e o governo não vão tolerar o caos.