Uma estratégia está sendo apresentada a diversas instituições e autoridades do meio ambiente em Goiás visando criar uma política focada na ampliação do número de Reservas do Patrimônio Particular Natural (RPPNs) com recursos vindos de multas ambientais. É um método já colocado em prática em estados como Bahia e Minas Gerais por uma rede de organizações ambientais acompanhada por órgãos do Executivo e apoiada por órgãos do Judiciário.
As RPPNs são reservas tombadas por iniciativa dos proprietários rurais que excedem as áreas já protegidas por lei. Ou seja, elas não são as reservas e áreas de preservação permanente. O tombamento voluntário é homologado junto aos órgãos legais como Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), secretarias estaduais e municipais do meio ambiente. Elas são previstas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc).
Esse tipo de reserva garante incentivos fiscais e acesso facilitado a financiamentos governamentais. Isso sem perder o direito de explorar a área tombada comercialmente, desde que com atividades de ecoturismo, pesquisa científica e práticas agroecológicas.
No Brasil, atualmente são mais de 1,9 mil RPPNs protegendo 890 mil hectares aproximadamente. Um levantamento da Universidade Federal de Goiás aponta a existência de apenas 26 RPPNs em Goiás.
Quem está apresentando o modelo adotado pela Bahia, e que tem à frente a Fundação Biodiversitas, é o superintendente da instituição, o ambientalista Jorge Velloso, que também é o presidente do Instituto Água Boa (BA). Ele está em Goiânia esta semana conversando com diferentes órgãos ambientais, especialmente com promotores de Justiça designados para a área.
Velloso participou nesta quinta-feira (15) do “2º Seminário Unidades de Conservação: Perspectivas e Desafios da Implementação no Brasil e no Cerrado”, evento da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) que começou na quinta-feira (14), em Goiânia.
O principal projeto que o ambientalista apresenta tem parceria com Ministério Público da Bahia. O órgão atua direcionando recursos de autuações por infrações contra o meio ambiente para um fundo que, por sua vez, é utilizado na criação de RPPNs e projetos para as mesmas.
“O projeto Biomas da Bahia é o maior do Brasil em termos de criação de RPPNs. Temos 64 já criadas, devendo chegar a 100 até o final do ano”, indicou o ambientalista em entrevista ao Diário de Goiás. Ele disse que há uma articulação com o ICMBio para a criação de no mínimo 60 novas RPPNs em 2025, para a proteção de ao menos 22 mil hectares.
O que pode surgir em Goiás é a mesma modalidade de atuação, tendo a Biodiversitas ou outra instituição à frente da estratégia e compondo uma rede nacional. A Fundação Biodiversitas tem 36 anos de experiência com unidades de conservação e foi a primeira a elaborar uma lista de espécies ameaçadas no Brasil, acrescenta.
Segundo o superintendente da Fundação, as conversas em Goiás foram a convite do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Socioambiental (Idesa-Brasil) e envolveram o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Ministérios Públicos Estadual e Federal (MP-GO e MPF) e Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Semad).
Velloso enfatiza que o interesse pelas RPPNs fez com que elas começassem a surgir até mesmo em centros urbanos de algumas grandes cidades do Brasil. “Curitiba tem 34 RPPNs urbanas”, citou ele.
“Apesar de pouco conhecidas, as RPPNs são uma contribuição gigante que a sociedade civil dá para a conservação da biodiversidade brasileira. Elas cumprem um papel fundamental na consolidação de corredores de biodiversidade, ligando a unidade de conservação”, argumenta.
O especialista lembra que podem ser homologadas RPPNs estaduais e municipais também, e não apenas criadas pelos órgãos da União. “O que é preciso, é que esta área de proteção privada seja homologada por algum ente público, então esse ente público pode ser o governo federal, o governo estadual e algumas prefeituras que criam legislação própria”, confirma.
Segundo ele, no caso do programa Biomas da Bahia, ele tem apoio sistemático do Ministério Público “que aporta, na maioria das vezes, todo recurso para criação. É como se fosse um pagamento para os serviços ambientais para o proprietário cuja origem é de uma multa pecuniária paga por algum infrator, deposita no fundo, que financia a conservação”, explica. De acordo com o superintendente da fundação, o fundo soma quase R$ 100 milhões.
Esses proprietários rurais assumem um status de “protetores da natureza”. Inclusive, cita ele, o projeto baiano está concorrendo este ano ao Prêmio Inovari, que premia as melhores práticas que aprimorem a Justiça no Brasil.
O ambientalista aponta que Minas Gerais é outro estado onde uma estratégia de estimular RPPNs já funciona. No caso de Minas Gerais, explica ele, existe o Fundo Semente, que recebe depósitos para financiar projetos. Ou seja, é um banco de projetos com recursos enviados por promotores de Justiça.
Jorge Velloso considera desafiador fazer conservação ambiental em Goiás, que tem um arranjo fundiário consolidado há décadas. “É um desafio você sensibilizar o proprietário privado a fazer conservação. Aí a forma de fazer isso é com a RPPN, porque muito dificilmente o governo federal vai entrar num estado consolidado, com um arranjo fundiário tão consolidado como Goiás, e desapropriar 60, 70 mil unidades para fazer uma unidade de conservação federal. Mas quando a gente parte para a RPPM, não. Você senta com o proprietário, explica para ele as vantagens de criar a RPPN. E dá uma compreensão [a ele] sobre a segurança patrimonial”, enfatiza.
Outro desafio é dentro das próprias instituições cujos membros às vezes considerarem injusto investir recursos em áreas conservadas que, entretanto, estão dentro de imóveis particulares. Nesse caso, o trabalho envolve convencer que isso “está beneficiando a coletividade, a toda sociedade”. E alerta para o avanço da supressão diária de vegetação: “O Cerrado brasileiro, que é o berço das águas, está perdendo em média 250 mil hectares por ano”.
Segundo ele, o interesse da Biodiversitas e do Idesa, é se associar. “É transferir tecnologia de gestão ambiental para organizações não governamentais em outros estados e com isso a gente ampliar a rede de conservação”, finalizou.