Um presente esperado por comerciantes, moradores e visitantes da região central de Goiânia vai ser entregue na segunda-feira, 23, véspera do aniversário de 90 anos da capital. A conclusão do programa que promete uma requalificação do Centro está entre os regalos das celebrações e surge com a pretensão de sanar uma omissão administrativa antiga, que fomentou inúmeros gargalos na região.
O programa representa uma possibilidade de salvação que muita gente não aguentou esperar. E a expectativa sobre o efeito a curto, médio e longo prazos para os problemas que afugentaram essas pessoas, é a dúvida que permanece.
Em pouco tempo de conversa com comerciantes que estão no Centro há mais tempo, como Nilson Omar Rodrigues, surgem os apontamentos mais graves: conclusão das obras e início da operação do BRT. Solução para moradores de rua e usuários de droga. Fiscalização de trânsito igualitária entre ruas como a 4 e a Avenida Anhanguera, onde camelôs fazem “puxadinhos” dos seus carros para bancas onde vendem produtos piratas nas calçadas. Iluminação pública com lâmpadas de lead e até uma limpeza urbana melhor.
Tudo isso, destaca o comerciante, são urgências que não podem esperar os efeitos mais demorados do projeto de requalificação. “Não é que a gente não queira os benefícios e incentivos fiscais que estão previstos, mas é que o resultado deles demora e precisamos de socorro urgente”, apontou. Nilson tem uma loja de embalagens há 16 anos na Rua 4.
O projeto de requalificação chega quando o êxodo de comerciantes, compradores e moradores se tornou problema grave para os que ficaram e para a própria administração pública. A prefeitura tem que manter todos os serviços no Centro, um lugar que está esvaziando, onde muitos não querem ou temem ficar. Por esse motivo, de uma gestão para outra a solução é prometida.
Desde o final de 2022 o prefeito Rogério Cruz fala em apresentar as medidas para salvar o Centro. Agora, para sua apresentação o município nomeou a iniciativa de Programa de Requalificação, provavelmente porque será contínuo, contemplando diferentes projetos e ações.
Em abril deste ano, em entrevista ao Diário de Goiás, Cruz afirmou: “É isso que queremos, que as pessoas voltem a morar no centro, que os empresários tenham seus negócios no centro da cidade. E que o centro seja realmente o centro de Goiânia, onde todos querem conhecer”.
Na ocasião, a previsão era de que ele apresentaria a proposta entre o fim de abril e o início de agosto último. Desde então ele comentava somente os pontos de forma avulsa, falando, por exemplo, em reduzir ou isentar taxas, limitar o fluxo para pedestres, entre outros, mas sem exibir o projeto completo, que é o que se espera na terça-feira.
Mesmo assim, por ter sido apresentado aos empresários da região antes e atender expectativas antigas, a requalificação é muito bem-vinda. Agora, dependerá da aprovação da Câmara Municipal e de ser colocada em prática.
Há 7 anos vendendo produtos de cama, mesa e banho na Avenida Anhanguera, o comerciante Kélison Braz de Araújo disse que perdeu a conta das promessas e reuniões das quais participou sobre a revitalização do Centro de Goiânia. Ele viu uma apresentação do projeto de requalificação. “Estou com muita expectativa, muito animado agora”, disse no primeiro momento.
Depois, destacou que espera a solução rápida para questões complexas em todas as grandes cidades brasileiras, como a presença de moradores de rua e de ambulantes na região do comércio.
Kélison também reclama da fiscalização de trânsito que, segundo ele, age seletivamente. “Na Anhanguera fizemos pesquisa mostrando que a maioria expressiva dos carros estacionados entre a Tocantins e a Araguaia, eram de camelôs que ignoram a usam área azul. Eles não são incomodados, enquanto lojistas e clientes sofrem com a fiscalização e falta de local para estacionar”, questiona.
O presidente de Honra da Associação Comercial e Industrial do Centro (Acic), o advogado empresarial Uilson Manzan, disse que o segmento vive momento de grande entusiasmo.
Segundo ele, as articulações políticas com os vereadores já vinham acontecendo. “Esperamos uma aprovação em tempo recorde”, afirmou.
Como mostrou reportagem do Diário de Goiás em setembro, a proposta de requalificação do centro ainda não foi exposta por completo, mas aos empresários foi divulgado que ela prevê redução de carga tributária de ISS, ITBI e IPTU para empresas.
Além disso, vista incentivar estacionamentos verticais e estabelecer circulação somente de pedestres em trechos da Avenida Anhanguera, a chamada pedestralização.
O programa também prevê bases físicas para fiscais de posturas e guardas municipais em pontos de grande incidência de camelôs, como no cruzamento das avenidas Goiás e Anhanguera.
Os projetos da Prefeitura foram apresentados pelo secretário de Finanças, Vinícius Henrique Pires Alves, aos empresários da Acic, em setembro. Os empresários discordaram em alguns pontos, mas se declararam dispostos a apoiar para que ele seja implantado logo, tendo em vista expectativa de décadas.
Uilson Manzan lembra que grande parte das propostas apresentadas são reivindicadas há tempos por quem tem empresas e mora no Centro. “A redução de ISS de 5 para 2% para clínicas médicas e odontológicas e para universidades, por exemplo, é muito atrativa”, destaca.
Atualmente, entre 15 e 20 empresários se mudam do Centro de Goiânia mensalmente, segundo estimativa de Uilson Manzan. Os motivos do êxodo são: desvalorização, falta de estacionamento, presença de muitos camelôs e de moradores de rua que são usuários de drogas, entre outros, cita.
Para fortalecer o mercado imobiliário, o projeto prevê que o município ofereça redução de Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) por alguns anos. A meta é estimular a regularização e aquecer a compra e a venda de lojas e apartamentos, que estavam se desvalorizando.
Está prevista redução do IPTU como incentivo aos que investirem na revitalização e preservação das fachadas mais antigas.
É intenção do município também estimular estacionamentos verticais e limitar o tráfego de veículos em um trecho da Avenida Anhanguera, onde não há moradias.
Bem próximo desse ponto já há a Rua 8, conhecida antigamente como Rua do Lazer, onde não há trânsito de veículos em uma quadra, e vários becos acima e abaixo da avenida, que têm um viés cultural forte.
A pedestralização é uma intervenção que promete ser um diferencial do projeto de requalificação do centro.
Para viabilizar essa intervenção, o projeto prevê a revitalização do Eixo Anhanguera e o desvio dele e dos outros veículos para liberar somente o fluxo de pessoas a pé.
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Centro de Goiânia contém um dos maiores acervos de art déco do mundo.
Ao longo dos anos, empresários e moradores do Centro foram assistindo apenas partes de anunciados projetos de revitalização sendo implementados.
Foi assim, por exemplo, na Praça do Trabalhador, com intervenções que tornaram a antiga Estação Ferroviária um centro de convivência usado em grandes festejos como no aniversário de 90 anos de Goiânia, festa junina, entre outros eventos.
Também junto ao Parthenon Center, houve a revitalização da praça ao lado. Na mesma linha, houve a intervenção que transformou algumas ilhas da Avenida Paranaíba no Mercado Aberto.
Enquanto isso, o Teatro Goiânia, foi inserido no complexo da Vila Cultural Cora Coralina, um espaço que privilegia shows ao ar livre e local para exposições e feiras.
Outro caso emblemático foi a obra do Governo do Estado que impediu o estacionamento de carros, remodelou e devolveu à população pedestre todo o interior da Praça Cívica. Lembrando que ela é o ponto mais importante das ligações do chamado Manto de Nossa Senhora (Avenidas Araguaia, Tocantins, Goiás e Paranaíba).
O que se percebe, entretanto, é que todas essas obras não foram suficientes para atrair e movimentar o centro, evitando sua falência gradativa.
A explicação pode estar na ausência de execução de um projeto completo para sua requalificação – que se espera que aconteça agora. Mas também em outros fatores como o transporte público das periferias para o Centro, insegurança pelos vazios humanos, entre outros que fazem com que até mesmo os espaços revitalizados e abertos ao público sejam subutilizados pelo grosso da população.