Leonardo Pereira, ex-executivo da Gol Linhas Aéreas que assumiu a CVM (Comissão de Valores Mobilíários) em 2012, defende a sua gestão ao rebater com números a ideia de que a autarquia demora para punir e, quando o faz, cobra pouco pelo ilícito.
Dado o tempo médio atual dos processos, afirma, o caso JBS pode demorar de um ano a um ano e três meses para ser concluído.
“Nunca se julgou tanto”, diz Pereira, que encerra o seu mandato na próxima sexta-feira (14). “Mas não estou preocupado só com a celeridade. Regulador não pode ser justiceiro”.
Ele conta ainda que investidores estrangeiros reclamavam que as penas aplicadas no mercado de capitais brasileiro acabavam embutidas no custo das transações e a medida provisória que amplia os poderes punitivos do Banco Central e da CVM veio também para contornar esse problema.
Com a MP 784, o limite das multas aplicadas pela CVM, de R$ 500 mil, passou para R$ 500 milhões. “Numa transação de milhões ou bilhões, o teto não era significante e não estimulava a não fazer”, admite, afastando mais uma vez a ideia de que a MP tenha sido uma espécie de retaliação às delações feitas pela JBS.
Hoje o grupo enfrenta processos que apuram, por exemplo, indícios do crime de informação privilegiada em operações no mercado de dólar futuro.
Ainda sobre a MP 784, Pereira avalia que as discussões com o Banco Central e o Ministério Público serão concluídas até o fim do ano e que, antes disso, todas as questões que envolvem regulação, como os acordos de leniência e, provavelmente, as multas, irão para audiência pública.
A despeito dos avanços que enxerga na autarquia, Pereira é taxativo: “Precisamos de mais gente, de mais matemáticos, de pessoas que entendam de tecnologia”, diz o engenheiro e economista.
Se nada for feito, a autarquia, que hoje, por lei, pode ter pouco mais de 600 funcionários, chegará ao fim de 2018 com um deficit de 30%. O último concurso foi em 2010.
Antes de Lava Jato, Pereira chegou a pensar que os casos mais complicados que enfrentaria seriam os relacionados ao Grupo X.
“Me diziam que todo presidente tinha um caso sério e que o meu seria o Grupo X”, afirma entre risadas. O mar, afirma, foi muito mais turbulento do que imaginava.
“Talvez daqui a alguns anos vão dizer que JBS foi pior que Petrobras. Será que é? Esse negócio de pior é muito relativo. O último é sempre o pior”.
Para ajudar a recuperar os cerca de R$ 2,6 bilhões em multas aplicadas e não pagas, Pereira diz que uma força-tarefa foi recém-contratada e, hoje, um consultor externo ajuda a aperfeiçoar o sistema de cobranças.
Pereira não comenta especificamente o caso JBS, mas diz que o projeto de insider trading, iniciado em 2015 e finalizado no ano passado está em fase de implementação de propostas.
O desdobramento mais importante, diz, foi o convênio com o TCU para compartilhar informações. Com o BC o acordo já existe e com o MP está sendo costurado. O único órgão ainda de fora é a Receita, com quem ainda faltam conversas. “O ideal seria uma base de dados comum.”
Nos último ano, a decisão sobre abrir um processo caiu, em média, de 11 para dois anos, assim como o tempo para instaurar o inquérito (de sete anos para um ano), e o de construção da peça acusatória (de sete para três anos).
No caso da JBS, o período até a instauração do inquérito demorou cerca 15 dias, mas Pereira não vê nada de errado nisso. “Não foi retaliação, temos metas. É preciso dizer também que algo que afeta o mercado de capitais de forma dramática vai passar na frente de todos”.
Em termos de atos ilícitos, Pereira diz que o Brasil não é muito diferente de outros países, e cita problemas no Japão ou na Malásia. “O Brasil é grande, a repercussão é maior”.
Nas horas vagas, ele diz que acompanha Billions, série americana sobre o mercado financeiro que tem o ajudado “a refletir”. Mas gosta mesmo é de esportes.
Pereira deixa a CVM na próxima sexta-feira e entra num período de quarentena. Nos planos está passar uma temporada em Harvard. (Folhapress)