Com larga experiência em pesquisas de opinião e coleta do ponto de vista dos eleitores, o professor Luis Signates avalia que há um distanciamento entre a polarização nacional da política e o que pensa o eleitor nos municípios para as eleições municipais. Em entrevista ao editor do Diário de Goiás, Altair Tavares, o especialista prevê muitas dificuldades para os prefeitos que buscam a reeleição ou indicar sucessores por causa da situação financeira das prefeituras. “Quando o país entra em crise, o eleitor quando vai escolher um prefeito tem dificuldade de separar o esforço do prefeito da crise. Ele geralmente culpa o prefeito, culpa os políticos locais pelo quadro de piora na qualidade de vida que ele teve”, diz ele.
Entrevista – Luis Signates – Professor da UFG e UCG; Diretor do Intituto Signates de Pesquisa; Doutor em Comunicação.
Eleição de 2.020 tem cenário de divisão
Signates – Se nós fomos pensar a divisão política brasileira, a gente vai ver que a sociedade brasileira com a eleição de Bolsonaro, e o presidente eleito não fez muito esforço para mudar isso, é uma sociedade claramente dividida no termo de posicionamento político. Os ânimos acirraram, as opiniões ficaram extremamente polarizadas, e quando há polarização a um déficit de racionalidade. As pessoas deixam de ouvir, deixam de dialogar, cessam de certa forma a compreensão das diferenças de ideias e passam a se manifestar sobre tudo tentando demarcar posição e tentando vencer o debate. E não aquele regime racional de aprendizado mútuo que a gente tem quando a gente dialoga. Esse déficit de racionalidade, no meu ver, prejudica muito o modo de fazer política no Brasil.
Eleição municipal: Diferenças
Signates – Entretanto no âmbito municipal a gente não vê esse quadro de polarização se acirrar tanto. É da tradição das eleições brasileiras que os estágios sejam separados, as dimensões eleitorais da federação estejam separadas de certa forma na cabeça do eleitor. Ele escolhe para presidente de uma forma, escolhe para governador de outra e escolhe para prefeito de outra forma. De forma que não é tão fácil haver essa contaminação eleitoral de um quadro eleitoral para outro. No âmbito municipal o que nós estamos vendo hoje, a partir das poucas pesquisas que eu tive acesso e pesquisas que eu fiz ao longo do ano de 2019 e no começo do ano de 2020, eu percebo que uma das consequências não só da eleição do Bolsonaro, mas como também do golpe de 2016 que derrubou Dilma Rousseff depois de um insucesso no âmbito econômico neste último governo do PT, e isso não foi corrigido, nem no governo Temer, nem no primeiro ano do governo Bolsonaro, é o quadro de enorme crise econômica, um quadro escassez, de enorme desemprego e de empobrecimento da população. Esse quadro de escassez aparentemente contaminou fortemente as prefeituras. Especialmente as prefeituras fortemente dependentes do Fundo de Participação dos Municípios, o FPM…
Dificuldades financeiras dos municípios
Signates- Aquela verba que o governo federal arrecada e distribui para os municípios. As prefeituras com baixa arrecadação própria dependem muito do Fundo de Participação dos Municípios e esse fundo por conta da própria queda de arrecadação da União e pela própria crise econômica, ela reduziu bastante. Os prefeitos que foram eleitos para esse mandato que se encerra em 2020 já pegaram esse quadro de crise e pegaram heranças de prefeituras que estavam até confortavelmente instaladas no plano da arrecadação, algumas delas que tinham promovido empreendimentos e aumentado as despesas, especialmente despesas de pessoal, e o quadro de queda da arrecadação criou uma crise muito financeira grande para essas prefeituras.
Prefeitos levam culpa da crise
Signates – Quando o país entra em crise, o eleitor quando vai escolher um prefeito tem dificuldade de separar o esforço do prefeito da crise. Ele geralmente culpa o prefeito, culpa os políticos locais pelo quadro de piora na qualidade de vida que ele teve. De forma que os prefeitos e prefeituras, no grande sentido, não tem conseguido tampar buracos, não tem conseguido promover asfaltamento, não tem conseguido produzir grandes obras e isso gerou um quadro de descontentamento muito forte com a maioria dos prefeitos que vão enfrentar as eleições deste ano.
Renovação nas prefeituras
Signates -Nós temos uma tendência de grande renovação nas prefeituras, caso esse quando ao longo de 2020 permaneça como está, e temos por essa razão uma exigência muito forte para os prefeitos que estão nos cargos hoje, e que pretendem disputar à reeleição ou eleger seus assessores, no sentido de que ajam de maneira muito racional, planejada e estratégica, sem direito de errar, nesse último ano de mandato caso eles queiram ter algum tipo de chance de reeleição ou chance de indicação com sucesso dos sucessores.
O quadro está muito dificultado, as pesquisas que eu tenho feito, nas cidades do interior, especialmente as pesquisas para prefeito estão indicando a eles quadro de muito desafio. É possível uma reeleição? É possível virar o jogo? É possível, caso o prefeito tenha muita vontade e caso ele saiba exatamente o que fazer.
Prefeito não pode errar na comunicação e na pesquisa
Signates – Ele tem que estabelecer um nível de diálogo com o eleitor, dentro de temas que sejam caros ao eleitor. Ele precisa saber quais são esses temas, aonde estão os pontos fracos e mais significativos de imagem pública dele na relação, em comunicação, com o eleitor e mobilizar a prefeitura para atuar fortemente neste sentido. E lógico, as candidaturas de oposição vão enfrentar um quadro de desafio que estou encontrando basicamente em duas linhas: primeiro um quadro de desafio em que o âmbito de crítica aos prefeitos instalados é um âmbito muito favorável, mas as possibilidades de compromisso que eles podem fazer com o eleitor indicam um quadro bastante reduzido, porque não há curto prazo, pelo o que estamos vendo, uma forte possibilidade de que as próximas gestões sejam menos dificultadas ou menos problemáticas do que essas que estão acabando. O quadro de crise promete continuar. Existe gente otimista com o mercado, eu não tenho esse otimismo, para mim o país tem sido administrado basicamente para o setor financeiro.
Muito otimismo e pouco resultado
Signates – O governo Bolsonaro não é um governo de investimento, não é um governo que topa gastar, ao contrário, é um governo que corta gastos para favorecer o sistema financeiro e bancário. Tem tido sucesso na bolsa de valores que é uma zona de especulação. Os bancos estão ganhando como nunca. Ma,s todo o restante do empresariado e da sociedade estão vivendo a pão e água. E isso repercute em um quadro para a sociedade de baixa renda que é um quadro de miséria. O retorno do Brasil a miséria e a situações que a gente acha que já havia superado. O quadro de desemprego, de informalização do emprego, de uberização das pessoas pobres é um quadro desastroso para a população de baixa renda que está em um nível de dificuldade sem chance de sair. E os políticos, especialmente os que assumirão cargos nas prefeituras, não têm uma perspectiva de muita melhora nos próximos anos. Ou seja, eles vão ter que estabelecer compromissos módicos, pequenos com seus eleitores. Então é um quadro que pode favorecer, mas havendo promessas em exagero a deterioração da imagem pública também pode acontecer e de maneira muito mais forte no momento seguinte.
Polarização bolsonaristas x petistas fora da eleição
Signates – As estruturas de poder municipal são mais pulverizadas, e às vezes são até mesmo mais personalizadas. Nas cidades pequenas elas dependem até algumas vezes do ânimo das relações familiares que estabelecem tradicionalmente dentro de muitas cidades. Esse quadro forte de polarização ele dificilmente se reproduz no município. Tanto é verdade que nós tivemos no Brasil cidades como a cidade de Anápolis, por exemplo, que é uma cidade extremamente conservadora, tradicionalmente uma cidade que votava em Marconi Perilo e na última eleição votou em Caiado. Essa cidade elege Antônio Gomide do PT e dava maioria para Lula.
Então o eleitor brasileiro é um eleitor que enxerga de forma diferente os três entes da federação, é muito interessante como isso acontece na cabeça do eleitor. Esse eleitor que votou no Bolsonaro é o mesmo eleitor, boa parte deles, que votava em Lula. Então onde que está esse sentido da mudança? No âmbito dos municípios o jogo é completamente diferente, o eleitor enxerga melhor o político, enxerga o político mais próximo. Essas figuras nacionais são imagens, basicamente imagens de mídia. O político local é um político conhecido, que transita pela cidade, que as pessoas conhecem, que encontram com ele. O jogo acontece de forma completamente diferente.
Se o âmbito nacional interferisse tanto no âmbito municipal, quando o Lula tinha uma provação em seus 80% no governo federal o PT teria eleito a maioria dos prefeitos do interior. E em Goiás, por exemplo, não aconteceu e não acontece. O quadro do PT em Goiás é urbano e de grandes regiões urbanas. Ele forte em Goiânia, em Anápolis, por conta do Rubens Otoni e do Antônio Gomide, em todas as demais cidades ele é um partido pequeno, um partido fraco que tem muita dificuldade de colocar candidatos em cabeça de chapa. Isso mostra que o eleitor enxerga de forma diferente o plano federal, estadual e municipal.
Separação é positiva
Signates – Eu acho que isso é positivo para a política brasileira. Eu não espero que esse quadro de polarização, de disputa e de irracionalidade contamine as eleições municipais. O grande problema das eleições municipais e que vem de contaminação nacional é o quadro de crise econômica, porque o quadro de crise econômica não se dá nos entes da federação, ela se dá no dia a dia, na realidade das pessoas que estão nas cidades. Se acontece uma crise a nível nacional ela atinge a todos nós, atinge a empregabilidade de todos nós e isso sim contamina todos os juízes políticos. De forma que um governante que por conta de uma crise nacional não deu conta do recado dentro do seu município é um governante que terá dificuldade de ser reeleito.
(Colaborou na edição: Sara Queiroz)