Em sessão extraordinária, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) aprovou na tarde desta segunda-feira (9), por decisão unânime, a representação pedindo uma inédita intervenção no sistema de saúde pública de Goiânia pelo Governo do Estado. Todos os desembargadores votaram favoráveis ao relatório apresentado pelo desembargador Jerônymo Pedro Vilas Boas.
Além de determinar a intervenção, foram aprovadas condições sugeridas pelo magistrado. Uma delas é de que a intervenção seja até dia 31 de dezembro, havendo uma “suspensão dos efeitos” com a posse do novo prefeito, Sandro Mabel (UB), por 90 dias.
Após transcorrido esse prazo, Mabel deverá apresentar um relatório das ações que tiver adotado, além de um plano de gestão para solucionar o déficit existente na Secretaria Municipal de Saúde (SMS) com prestadores de serviço e trabalhadores da área.
Estimativa do Ministério Público de Goiás (MPGO) que protocolou o pedido de intervenção na sexta-feira (6), indica que a dívida supere R$ 300 milhões, embora recursos estivessem chegando regularmente no Fundo Municipal de Saúde.
O relator defendeu que após os 90 dias, o Tribunal julgue o mérito sobre a intervenção do Estado, ou seja, ela pode encerrar ou retornar. O colegiado concordou com ele.
Outra condição apresentada, discutida entre os desembargadores, mas aprovada por unanimidade após os esclarecimentos, é sobre a negociação e o pagamento das dívidas. O acórdão da decisão vai incluir a determinação para que o interventor a ser nomeado pelo governador Ronaldo Caiado seja notificado logo após o decreto de nomeação, de que deverá ser utilizado o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do TJGO (NUPEMEC) para que contratos e dívidas sejam submetidos a conciliação pré-judicial.
Sobre esse aspecto, o presidente do TJ, e da sessão, desembargador Carlos Alberto França, falou sobre o avanço e a segurança da sugestão aprovada. Para ele, essa segurança será maior com as negociações ocorrendo somente em mesa presidida pelo NUPMEC “por conta das informações sobre pagamentos indevidos” apontadas pelas denúncias que levaram ao pedido de intervenção. Irregularidades sobre a forma desses pagamentos foram apontadas pelo MPGO e ensejaram a prisão da cúpula da SMS no dia 27 de novembro, com autorização judicial. “Os pagamentos só poderão ser realizados mediante comprovação da legitimidade dos débitos, evitando que recursos públicos sejam usados para quitar contas indevidas”, apontou.
Após o término da sessão no TJGO, a assessoria do governador Ronaldo Caiado informou que ele se encontra em São Paulo e que, no momento, não há confirmação sobre a determinação do Tribunal para a nomeação de interventor, nem data e nem que será o nomeado.
Representando o governo estadual, o procurador-geral do Estado, Rafael Arruda, acompanhou toda a sessão no TJGO.
Logo no início da sessão, Carlos Alberto França ressaltou a rapidez com que o TJGO analisou o assunto, lembrando que a representação do MP foi registrada na sexta-feira, o relator se ocupou do assunto desde então, e a sessão foi convocada no início da tarde dessa segunda-feira, mostrando a “agilidade desse Tribunal considerando a importância da temática e a responsabilidade social de dar uma resposta”.
Nesse sentido, ele pediu esclarecimento sobre “porque o Ministério Público deixou para fazer o pedido faltando 20 dias para o término do mandato e do ano, se essa situação da área da saúde, pelo que a imprensa noticiou, já vinha de algum tempo? Seria bom esclarecer o porquê apresentado apenas agora esse pleito”.
A pergunta foi dirigida a subprocuradora para Assuntos Jurídicos do MPGO, Fabiana Lemes Zamalloa do Prado que representou o MPGO. Ela respondeu afirmando que “desde o primeiro semestre desse ano o Ministério Público tem acompanhado, tem fiscalizado e adotado providências diante da identificação de alguns problemas que estavam sendo evidenciados sobre o sucateamento do sistema de saúde de Goiânia com reflexos no estado todo”.
Nessa linha, ela citou as ações de fiscalização e investigação realizadas que comprovaram o sucateamento por falta de repasses para a FUNDAHC que gerencia unidades do município; pacientes esperando mais de 24 horas em salas pré-hospitalares para uma internação; internação em locais inadequados; redução de leitos contratualizados por falta de pagamento; falta de materiais e insumos; desvio na destinação de recursos; retenção de verbas federais e de emendas parlamentares e indícios de corrupção.
Ao justificar a demora, a subprocuradora explicou que foi proposta ação civil pública (ACP) para obrigar a prefeitura a fazer o repasse para FUNDAHC para evitar o comprometimento dos serviços. Por outro lado, apontou reiterados descumprimentos de acordos e decisões judiciais por parte da SMS.
“Em outra situação, o município usou todos os recursos para procrastinar o cumprimento de decisão”, apontou. Também citou que houve liminar para garantir a oferta de leitos contratualizados e assim os pacientes pudessem ser internados no prazo de 24 horas, mas ela também foi descumprida “voluntariamente” pelo município.
Citou ainda o bloqueio de recursos para garantir o pagamento dos leitos. “Tentamos medidas extrajudiciais para que a dívida fosse regularizada”, acrescentou. Sem o êxito e o alcance necessários, ela explicou que o MP decidiu deflagrar a Operação Comorbidade, que prendeu a cúpula da SMS no dia 27. “A esperança era de que afastando o mau gestor o sistema pudesse ter alguma regularização, entretanto essa medida também não foi exitosa porque a nova secretária de saúde e sua equipe pediu exoneração dizendo que o fazia por impossibilidade de gestão diante da recusa da Secretaria de Finanças de repassar os recursos necessários para o sistema funcionar”, acrescentou Fabiana.
A subprocuradora ainda justificou que “não há mais mecanismos e possibilidades para o MP tentar reverter [o caos na Saúde]. A intervenção é o último mecanismo. Tentamos ao máximo, no limite, garantir a autonomia [do município] e, ao mesmo tempo, garantir o exercício de direitos pela população, mas isso não foi possível em razão de todas essas circunstâncias”.
Em defesa da prefeitura falou o procurador-geral do Município, José Carlos Ribeiro Issy. Ele elogiou a rapidez do TJGO em apreciar o pedido de intervenção e disse que o município não deixou de pagar a FUNDAHC e demais credores por vontade. “Faltam recursos financeiros”, apontou. Ele argumentou que uma intervenção em tão pouco prazo não resolverá a situação da Saúde pública de Goiânia e reiterou que vê a medida como desproporcional. “Faltam tempo e recursos para um interventor mudar o cenário”, alegou. Afirmou ainda que um interventor sem o conhecimento do sistema não traz vantagens para a cidade.
Mas o relatório do desembargador Vilas Boas foi pontual em mostrar a importância de uma ação firme nesse momento. Ele lembrou que a ação civil pública ignorada pelo município, por exemplo, tinha o “viés de compelir o gestor a resolver o problema que se agravava e agora toma proporção dramática”. Ele citou “omissão dolosa perceptível” da gestão da saúde “ao não se mostrar proativa, vigilante, ao não responder ao que se avizinhava”, enfatizou, alertando que o quadro pode se agravar se o Tribunal não se decidisse por uma intervenção com base no que o MPGO apontou.
“Não há como reconhecer a total ineficiência na solução do problema por parte do gestor. Afastamento de secretário e nomeação de outra que pediu demissão, em um período que caminha para final de ano, com festas, e agravamento crítico nessas unidades, que se não estiverem dotadas de um mínimo para esse atendimento, pode ter de fato situação muito mais grave que essa apresentada no relatório do MP”, acrescentou.
A maioria dos desembargadores comentou rapidamente o relatório apresentado pelo desembargador Jerônymo Pedro Vilas Boas. As sugestões feitas por ele foram acatadas.
Ao finalizar a sessão, o presidente do Tribunal determinou a comunicação imediata para governador para decretar intervenção na Saúde pública de Goiânia, “sem condicionantes para interventor exercer a obrigação, devendo publicar o decreto o quanto antes”.
Era esperada a juntada do acórdão e a remessa do seu inteiro teor ao governador, ao prefeito Rogério Cruz, ao juiz coordenador do NUPEMEC, o juiz Leonys Lopes Campos da Silva, dando conhecimento dos termos, ao procurador-geral do Município e ao procurador-geral de Justiça Cyro Terra, além do secretário de Finanças, Cleyton da Silva Menezes, para cadastrar o nome do interventor e a ele comunicar despesas pagas na área da saúde pela pasta. Para finalizar, França colocou NUPEMEC a disposição para das sequência às negociações que vão avançar para a próxima gestão.
Além do presidente Carlos França e do relator Jerônymo, aprovaram a intervenção: o vice-presidente, desembargador Amaral Wilson; o corregedor-geral da Justiça, Leandro Crispim; os desembargadores Fabiano Aragão, Marcus da Costa Ferreira, Eduardo Abdon Moura, Sirlei Martins da Costa, Beatriz Figueredo Franco, Gilberto Marques Filho, Kisleu Dias Maciel Filho, Luiz Eduardo de Sousa, Itaney Francisco Campos, Jeová Sardinha de Moraes, Elizabeth Maria da Silva, Nicomedes Domingos Borges, Anderson Máximo de Holanda, Wilson Fayad, Fábio Cristóvão de Campos Faria, Sebastião Luiz Fleury, Reinaldo Alves Ferreira e Camila Nina Erbetta Nascimento.