O Projeto de Lei (PL) que equipara aborto a homicídio simples, quando cometido após a 22ª semana de gestação, mesmo em caso de estupro, votado em caráter de urgência na última quarta-feira (12), gerou polêmica no país. A mudança na legislação criou alarde, principalmente por prever pena maior para mulheres que abortam do que para os próprios estupradores. Algumas autoridades, incluindo os presidentes do STF, do Senado e até mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não chegaram a falar diretamente sobre suas opiniões, mas esboçaram reações quanto aos próximos passos.
Em entrevista coletiva em João Pessoa, onde participa de um evento com magistrados estaduais, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, evitou se manifestar e limitou-se a dizer que vai opinar no momento adequado.”A matéria está no Congresso, que é o lugar certo para se debaterem os grandes temas nacionais. Se e quando a matéria chegar no Supremo, eu vou opinar sobre isso”, afirmou.
Seguindo o mesmo posicionamento, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também afirmou apenas que um projeto dessa natureza precisa ser tratado com “muita cautela” e não se manifestou sobre a proposta. “O que eu devo dizer é que uma matéria dessa natureza jamais, por exemplo, iria direto ao plenário do Senado Federal. Ela deve ser submetida às comissões próprias e é muito importante ouvir, inclusive, as mulheres do Senado, que são legítimas representantes das mulheres brasileiras, para saber qual é a posição delas em relação a isso”, disse Pacheco.
Com colocação clara contra a aprovação do projeto de Lei, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, destacou que o governo Lula não apoiará qualquer mudança nesse sentido.”Não contem com o governo para essa barbaridade. Vamos trabalhar para que um projeto como esse não seja votado”, disse aos jornalistas.
O posicionamento do ministro foi comprovado pelo presidente Lula. Questionado sobre o assunto durante viagem à Europa, o presidente apenas disse que precisa se informar sobre a situação antes de emitir declarações. “Deixa eu voltar para o Brasil, tomar pé da situação”, respondeu à imprensa.
Já a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, declarou abertamente que a mudança é “altamente desrespeitosa e desumana com mulheres”, principalmente pelo teor de punição que a alteração propõe. “Eu, pessoalmente, sou contra o aborto, mas eu acho que é uma atitude altamente desrespeitosa e desumana com as mulheres achar que o estuprador deve ter uma pena menor do que a mulher que foi estuprada e que não teve condição de ter acesso de forma, dentro do tempo, para fazer uso da lei que lhe assegura o direito ao aborto legal”, argumentou Marina.
Para entrar em vigor, o texto do projeto de Lei precisa ser aprovado pelo plenário do Câmara e do Senado e ser sancionado por Lula. Até o momento, a matéria ainda não tem data para ser votada.
O projeto é de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), figura próxima do pastor Silas Malafaia. A articulação teve total apoio da bancada evangélica. A proposta foi votada e aprovada na Câmara em regime de urgência, indo diretamente para o plenário, sem precisar passar antes por comissões.
Se aprovada, a proposta mudará quatro artigos do Código Penal Brasileiro. Entre os mais alarmantes e polêmicos, o texto que torna a prática de aborto realizada após 22 semanas de gestação sendo considerado como homicídio simples – com pena de seis a 20 anos de prisão – e a que prevê pena similar a de homicídio, mesmo o aborto tendo sido praticado em caso de estupro, com punição maior para a vítima do que para o estuprador.