A Polícia Federal deflagrou na manhã desta quinta-feira (1º) a Operação Cifra Oculta para apurar crimes eleitorais e lavagem de dinheiro relacionados à campanha de Fernando Haddad (PT) para a Prefeitura de São Paulo em 2012.
As investigações apuram o pagamento, pela empreiteira UTC, de dívidas da chapa do petista referentes a serviços gráficos no valor de R$ 2,6 milhões. Quatro gráficas ligadas ao ex-deputado estadual Francisco Carlos de Souza, o “Chico Gordo” ou “Chicão”, são alvos da operação.
As empresas são a Souza & Souza -propriedade de Chicão-, a LWC, Axis e Cândido & Oliveira -que pertenciam a pessoas ligadas a ele.
Pela manhã, 30 policiais cumpriram nove mandados de busca e apreensão, expedidos pela 1º Zona Eleitoral de São Paulo, nas cidades de São Paulo, São Caetano e Praia Grande. O ex-prefeito Haddad deve ser chamado para depôr no inquérito, segundo o delegado Rodrigo de Campos Costa, que conduz o inquérito.
A ação é um desdobramento da Operação Lava Jato e começou em novembro de 2015 após o STF (Supremo Tribunal Federal) desmembrar a colaboração premiada de executivos da empresa UTC em anexos para a investigação nos Estados.
Em setembro de 2016, a Folha de S.Paulo mostrou que Chicão foi alvo de ação na Justiça Eleitoral movida pelo PSDB em processo que investiga a campanha presidencial da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer em 2014. A suspeita é de que a gráfica seja uma empresa de fachada, sem capacidade de produção de material para campanha e emissora de notas frias.
Segundo três delatores da Lava Jato, Souza recebeu R$ 2,6 milhões em propina da Petrobras para pagar dívidas da campanha de 2012 de Haddad. O pedido para que o dinheiro fosse entregue à gráfica foi feita pelo ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. A delação do dono da UTC, Ricardo Pessoa, serviu como ponto de partida para o inquérito.
O delegado Costa afirmou nesta quinta-feira (1º) que a dívida teria sido paga por meio do doleiro Alberto Youssef, em transferências bancárias e dinheiro vivo, para as empresas. A polícia chegou a pedir a prisão preventiva de Chicão, mas a Justiça Eleitoral negou a solicitação.
Além dos R$ 2,6 milhões, duas das gráficas, a LWC e Oliveira & Souza, doaram oficialmente R$ 354 mil e R$ 253 mil à campanha, respectivamente.
Em nota, a assessoria de Haddad diz que a empresa de Chicão “prestou apenas pequenos serviços devidamente pagos pela campanha e registrados no TRE”
Na Lava Jato, o doleiro Alberto Youssef, o acionista da construtora UTC Ricardo Pessoa e o ex-diretor financeiro da empreiteira Walmir Pinheiro apontaram na oportunidade “Chicão” como o destinatário de transações para quitar despesas de campanha de Haddad, mas não indicaram o nome completo dele.
Em depoimento à força-tarefa da operação, em julho de 2015, Youssef afirmou que realizou os repasses para “Chicão” a pedido de Ricardo Pessoa. Conforme apuração da reportagem na época, o delator disse não se lembrar do nome completo dele, mas deixou um número de celular que bate com o de Souza.
Posteriormente, Pessoa também fechou acordo de colaboração e confirmou as transferências. O valor, segundo ele, seria descontado da “conta corrente” de propinas devidas ao PT, abastecida com desvios da Petrobras.
Na ocasião, Pessoa disse que “Chicão” foi indicado como destinatário dos valores pelo ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.
Segundo o ex-diretor financeiro da UTC Walmir Pinheiro, a dívida da campanha de Haddad foi negociada diretamente com “Chicão”.
Na época, Pinheiro relatou ainda que, em reunião, Vaccari “afirmou que teria uma dívida da campanha de Haddad de R$ 3 milhões com uma gráfica” e “perguntou se poderiam pagar essa dívida e abater o valor na conta corrente que mantinham, decorrente das obras da Petrobras”.
Ante a concordância de Pessoa, Pinheiro negociou o pagamento e conseguiu reduzi-lo para R$ 2,6 milhões.
No celular de Pinheiro, o nome de “Chicão” estava registrado como “Chicao jvn” -em referência às iniciais do ex-tesoureiro Vaccari.
Youssef complementou o relato, dizendo que o total do suborno foi repassado de forma parcelada em 2013, em dinheiro vivo ou transferências bancárias feitas por uma das empresas de fachada do doleiro, a Empreiteira Rigidez.
Quebra de sigilo bancário mostra que em 10 de junho de 2013 a Empreiteira Rigidez transferiu R$ 160 mil para outra gráfica ligada a Souza, a LWC Artes Gráficas, que pertencia a sua ex-mulher e a um irmão dele à época dos repasses. De acordo com o doleiro, essa era parte da quitação em favor de “Chicão”.
Nos anos 70, Souza foi metalúrgico. Na década seguinte, foi fundador do PT e elegeu-se deputado estadual pelo partido. Está no ramo gráfico desde os anos 90, época em que foi dono de uma terceira gráfica, a King Graf.
Na prestação de contas de Haddad em 2012 estão registradas despesas no valor de R$ 354 mil com a LWC.
Naquele ano, a LWC declarou ter prestado serviços para comitês de seis partidos no Estado. Foram R$ 960 mil em despesas oficiais, conforme registro no TSE. Desse total, R$ 866 mil vieram do PT.
A assessoria de imprensa de Haddad, em nota, negou as acusações. Segundo o comunicado, a empresa de Chicão prestou apenas pequenos serviços devidamente pagos pela campanha e registrados no TRE.
Sobre a UTC, afirma que a empresa “teve seus interesses contrariados no início da gestão Haddad na prefeitura, com o cancelamento das obras do túnel da avenida Roberto Marinho, da qual fazia parte junto com outras empreiteiras igualmente envolvidas na Lava Jato. O executivo da UTC, Ricardo Pessoa, era dos mais inconformados com a decisão”.
“O propalado repasse de R$ 2,6 milhões, se ocorreu, não tem nada a ver com a campanha de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo em 2012, até porque seria contraditório uma empresa que teve seus interesses prejudicados pela administração, saldar uma dívida de campanha deste administrador”, diz a nota.
Em setembro, além da assessoria de Haddad, a defesa do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e a assessoria do PT também negaram as acusações à reportagem.
A assessoria do então prefeito apontou que a única despesa da campanha de Haddad de 2012 relacionada a Souza referiu-se à gráfica LWC, no valor de R$ 354 mil, que foi paga ainda no período eleitoral.
“Os serviços prestados pela LWC Editora Gráfica à campanha de Fernando Haddad, em 2012, foram todos quitados durante a campanha eleitoral, como atesta a prestação de contas registrada e aprovada no TRE [Tribunal Regional Eleitoral]”, afirmou a assessoria.
Segundo o diretório nacional do PT, “todas as operações financeiras do PT foram realizadas estritamente dentro dos parâmetros legais e posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral”.
O criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, advogado do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, disse que não há provas de que seu cliente tenha participado de um acerto para pagar dívidas de campanha de Haddad com recursos ilícitos, e isso ocorre porque Vaccari não cometeu os crimes apontados pelos delatores da Operação Lava Jato.
A respeito da apuração do TSE sobre supostas irregularidades na campanha da chapa Dima-Temer em 2014, Souza disse que sua gráfica prestou os serviços pelos quais foi paga.
Para isso, segundo o empresário, sua gráfica terceirizou parte dos serviços. (Folhapress)