A variante brasileira do novo coronavírus (a P.1.) pode ter surgido em Manaus em novembro de 2020, portanto aproximadamente um mês antes dos casos de internações por síndrome respiratória aguda grave na cidade aumentarem tanto. De acordo com artigo dos pesquisadores do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), em sete semanas, a P.1. tornou-se a linhagem do SARS-CoV-2 mais prevalente na região.
O grupo desses pesquisadores é coordenado por Ester Sabino, da Universidade de São Paulo (USP) e Nuno Faria, da Oxford University (Reino Unido). Eles chegaram à esta conclusão baseados numa análise genômica de 184 amostras de secreção nasofaríngea de pacientes diagnosticados com covid-19 em um laboratório de Manaus ente novembro e janeiro de 2020.
Por meio de modelagem matemática, cruzando dados genômicos e de mortalidade, a equipe do CADDE calcula que a P.1. seja entre 1,4 e 2,2 vezes mais transmissível que as linhagens que a precederam. Os cientistas estimam ainda que em parte dos indivíduos já infectados pelo SARS-CoV-2 – algo entre 25% e 61% – a nova variante seja capaz de driblar o sistema imune e causar uma nova infecção. O trabalho de modelagem foi feito em colaboração com pesquisadores do Imperial College London (Reino Unido).
“Esses números são uma aproximação, pois se trata de um modelo. De qualquer modo, a mensagem que os dados passam é: mesmo quem já teve COVID-19 precisa continuar se precavendo. A nova cepa é mais transmissível e pode infectar até mesmo quem já tem anticorpos contra o novo coronavírus. Foi isso que aconteceu em Manaus. A maior parte da população já tinha imunidade e mesmo assim houve uma grande epidemia”, diz Sabino à Agência FAPESP.
Ainda de acordo com os pesquisadores, um grupo de 900 amostras analisadas e coletadas no mesmo laboratório de Manaus, entre elas as 184 que foram sequenciadas, indicam que a carga viral presente na secreção dos pacientes foi aumentando à medida que a variante P.1. tornou-se mais prevalente.
Os pesquisadores ainda tentam entender como funciona essa carga viral durante o processo da pandemia e por que a transmissão, por exemplo, de novas cepas é mais rápida.
“Essa segunda opção parece bastante provável e explicaria por que a transmissão da nova cepa é mais rápida”, e pesquisadora.
No artigo do CADDE, os pesquisadores descrevem também que, até 24 de fevereiro de 2021, a variante P.1. já havia sido detectada em seis Estados brasileiros. Foram 92 mil passageiros aéreos que saíram de Manaus em novembro de 2020. Os destinos dessas pessoas foram São Paulo, outra cidades do Amazonas, Pará, Rondônia, Ceará e Roraima. Portanto, acreditam os autores, é provável que tenha havido múltiplas introduções da nova variante nesses estados.
Os pesquisadores informa ainda que este sequenciamento do genoma viral das 184 amostras foi feito com uma tecnologia conhecida como MinION, uma tecnologia barata ajudando aos cientistas entenderem esta evolução do vírus. A técnica genômica chamada relógio molecular, permitiu aos pesquisadores, concluírem que a P.1. descende da cepa B.1.128, que foi identificada pela primeira vez em Manaus em março de 2020. Quando comparada à linhagem-mãe, a variante P.1. apresenta 17 mutações, sendo dez na proteína spike – usada pelo vírus para se conectar com a proteína ACE-2 existente na superfície das células humanas e viabilizar a infecção.
A pesquisa explica ainda que três mutações são consideradas mais importantes – a N501Y, a K417T e a E484K –, pois se localizam na ponta da proteína spike, em uma região conhecida como RBD (sigla em inglês para domínio de ligação ao receptor). É nesse local que ocorre a ligação entre o vírus e a célula humana.
No caso da P.1., de acordo com os pesquisadores, houve um período de rápida evolução molecular e ainda não se sabe o motivo.
“Surgiram de repente várias mutações que facilitam a transmissão do vírus, algo incomum. Para se ter ideia, a cepa P.2., que também descende da B.1.128, apresenta apenas uma mutação desse tipo”, conta Sabino.
No entanto, Ester Sabino e os demais pesquisadores dizem que é possível que o tempo largo que o vírus tem para evoluir pode ser uma das explicações e enfatizam que enquanto não houver vacinas, os protocolos sanitários devem ser seguidos por toda a população para se proteger da doença.
“Até que vacinas eficazes estejam disponíveis para todos, as intervenções não farmacológicas [distanciamento social, uso de máscara e higiene das mãos] continuam sendo necessárias e importantes para reduzir a emergência de novas variantes”, ressaltam.
Com Agência FAPESP