Uma nova geração de drogas promete revolucionar a prevenção e o tratamento da malária. Depois de vasculhar cerca de 100 mil compostos, uma equipe internacional descobriu uma série deles capaz de prevenir e curar a doença em camundongos com apenas uma dose baixa.
Apesar de que entre 2000 e 2015 a incidência de malária entre populações de risco caiu 37% globalmente, cerca de 3,2 bilhões de pessoas vivem áreas onde a doença é transmitida. Em 2015, houve aproximadamente 214 milhões de casos de malária que resultaram em 438 000 mortes em todo o mundo.
A doença é transmitida por picadas de mosquitos e é causada por um parasita, o plasmódio, que afeta células do sangue e do fígado. O risco de morte é maior quando o cérebro também é atacado.
“Estratégias de erradicação eficazes têm sido difíceis, principalmente devido ao ciclo de vida complexo do Plasmodium e ao surgimento de linhagens resistentes a droga do Plasmodium falciparum, a espécie de Plasmodium mais letal”, escreveram os quase cinquenta autores do estudo, de instituições de sete países, em artigo divulgado pela revista científica “Nature”.
A pesquisa foi coordenada por Nobutaka Kato, Eamon Comer e Stuart L. Schreiber1, do Instituto Broad, ligado à Universidade Harvard e ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA).
A transmissão é feita por fêmeas de mosquitos do gênero Anopheles. Os parasitas introduzidos com a picada vão do sangue ao fígado, onde por alguns dias ficam se reproduzindo alucinadamente, mas sem produzir os sintomas da doença, como febre.
Ao literalmente explodir para fora do fígado, os parasitas invadem glóbulos vermelhos e alguns se transformam em formas masculinas e femininas que podem ser captadas por outra picada de mosquito.
Os tratamentos existentes em geral atacam o parasita em apenas uma das fases do seu ciclo de vida dentro do corpo humano, na maior parte das vezes no sangue. Mas a equipe coordenada pelo Instituto Broad descobriu tanto uma série de drogas capazes de atacar o plasmódio nas várias fases do seu ciclo, como um novo alvo para as drogas conhecidas como azetidinas bicíclicas, como a BRD3316 e a BRD7929.
O novo alvo é uma enzima, a -Fenilalanila-tRNA sintase- fundamental para a vida do parasita. “É uma enzima que tem um dos papéis essenciais na síntese de proteínas. Sem essa enzima, o parasita não pode fazer novas proteínas, e por isso não pode sobreviver”, disse Nobutaka Kato.
As drogas antimaláricas existentes hoje são derivadas principalmente de produtos naturais -caso da mais antiga delas, o quinino- ou compostos sintéticos “com forma de droga”. Os autores do estudo partiram da hipótese de que agentes antimaláricos com novos mecanismos de ação poderiam ser descobertos usando uma coleção mais diversa de compostos sintéticos com formas tridimensionais lembrando produtos naturais que não estava sendo pesquisadas nas coleções de compostos em geral usadas nas “varreduras” farmacêuticas.
“Uma frase que é muitas vezes pronunciada em nosso laboratório é: ‘Será que uma química diferente vai render resultados diferentes?’ Estes resultados, para nós, provam que este é o caso”, diz outro coautor, Eamon Comer; “com a nova química temos um mecanismo de ação que ninguém viu antes.”
“Este composto ataca todos os estágios em vertebrados da infecção pelo Plasmodium falciparum” afirma Kato; “algo muito raro no processo terapêutico”.
“A descoberta e o desenvolvimento de drogas é um longo processo. Geralmente se leva de doze a quinze anos da descoberta à aprovação. Nossos compostos ainda estão a alguns anos de distância de ensaios clínicos em humanos e quase uma década até a aprovação, mesmo se tudo correr bem”, declara Kato.
O fato de os compostos terem agido em doses orais únicas e baixas em camundongos abre a possibilidade de produção de remédios relativamente baratos e de fácil utilização em países pobres, nos quais a doença é mais prevalente.
As drogas também demonstraram potencial preventivo. “No nosso estudo animal, os camundongos tratados com nosso composto mesmo três dias antes de serem infectados não desenvolveram malária. Isso quer dizer que tomar o composto duas vezes por semana protegerá contra malária. Mas lembre-se que esses resultados com estudos em animais podem não se traduzir em seres humanos”, diz o pesquisador.
“Os parasitas da malária desenvolveram resistência a todos os antimaláricos até agora. Mas alguns antimaláricos são mais suscetíveis de criar resistência do que outros. Nosso estudo mostrou que nossos compostos têm uma propensão baixa a induzir resistência in vitro”, acrescenta Kato.
(FOLHAPRESS)