A vida de quem precisa de uma perícia médica em ações contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) está mais difícil. A Lei 13.846/2019, que garantia recursos oriundos do Executivo Federal para arcar com as chamadas perícias judiciais, expirou em setembro. Agora, não há, no país, legislação que determine quem cobre os custos do serviço.
Na prática, a incerteza tem deixado muita gente sem a perícia. Em Goiás, um ato do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), assinado pelo juiz Fernando Cleber de Araújo Gomes, cancelou as perícias que já estavam marcadas desde a última terça-feira (26), além de suspender novos agendamentos.
No ato ordinatório, o magistrado alega que “a resolução do problema está além da jurisdição do Poder Judiciário”. Pela normativa estipulada pelo TRF-1, a perícia só será realizada se o cidadão arcar com os custos. Os honorários periciais tem valor a partir de R$ 200.
A suspensão atinge aqueles que solicitam, via Justiça, auxílio do INSS por uma incapacidade temporária, outrora conhecido como auxílio-doença, e também aposentadoria por invalidez.
Em caso de não pagamento das custas periciais, a ação ficará suspensa por 90 dias.
Advogados ouvidos pelo Diário de Goiás contam que nesta semana o número de pessoas que procuraram escritórios em busca de ajuda para conseguir uma perícia cresceu significativamente. A maioria dos clientes tem poucos recursos financeiros e não consegue arcar com os custos da perícia.
Uma das pessoas nessa situação é Joana Silva. Ela tem 47 anos, três filhos e trabalha numa empresa de confecções em Goiânia e tem sofrido com uma doença na coluna chamada de espondilite anquilosante, que causa fortes dores e dificulta a mobilidade. O laudo da perícia do INSS apontou que ela tinha condições de trabalho. Ela então foi à Justiça, mas não tem dinheiro para pagar os honorários periciais.
“Tem sido muito difícil. O dinheiro que meu marido ganha mal dá para sustentar a casa, principalmente com os preços elevados como estão”, relata. “Eu precisava do auxílio, mas agora preciso esperar até que seja possível liberarem uma vaga no sistema”, explica.
Mais: Servidores protestam por data-base
Lucimar de Paula, de 38 anos, espera pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC) que é concedido a pessoas com deficiência, para o sobrinho José Augusto, que tem paralisia cerebral, desde o início do ano. O INSS tem demorado a responder a solicitação, o que levou o caso à Justiça. Todavia, ele conta que o irmão, pai do jovem, está desempregado e sem condições de arcar com a perícia. Ele também não tem o recurso necessário.
“Minha cunhada cuida dele o dia todo, também não consegue trabalhar. Somos uma família de pessoas carentes e é difícil tirar do orçamento que se tem para comer e pagar a perícia”, diz. “Se a gente conseguisse o benefício, que é direito dele, a situação iria melhorar bastante”, completa.
A advocacia tem se movimentado para tentar amenizar o sofrimento das pessoas que precisam das perícias judiciais. A Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) emitiu uma nota informativa sobre o caso aos advogados na noite desta quarta-feira (27). O colegiado também solicitou posicionamento do TRF1.
A presidente da comissão, Ana Carollina Barbosa, diz que a OAB tem sido pressionada, mas tudo depende da aprovação de um projeto de lei que está travado no Senado Federal. “Estamos tentando conversar com os senadores da bancada goiana. Também nos manifestamos por ofícios e aguardamos respostas até sexta-feira (29)”, disse ao DG.
Ela explica que, de fato, não há dotação orçamentária para bancar as perícias. “É responsabilidade do Executivo federal. Elas não foram suspensas somente em Goiás. Há relatos também de Minas Gerais, Espírito Santo. Se não houver solução, até o fim do ano todos os estados devem parar”, afirma. “Se não houver uma resposta, vai colapsar”, alerta.
Barbosa diz que o cenário é ainda mais preocupante porque o TRF1 também paralisou o serviço dos assistentes sociais que executam trabalho de perícia com os mais vulneráveis. “São aquelas pessoas hipossuficientes, que têm muitas dificuldades, e agora ficam também sem esse apoio”, destaca.
Os honorários periciais eram de responsabilidade da Justiça até 2019. Porém, os custos foram transferidos à União em 2019, após um apagão das perícias no ano anterior. Na ocasião, o Poder Judiciário alegou que faltou verba para arcar com o serviço.
Os custos ficariam sob responsabilidade do Executivo até 23 de setembro, conforme prevê a lei. O prazo expirou e um novo responsável não foi indicado pelo Congresso. O Projeto de Lei 3.914/202, de autoria do deputado Hiran Gonçalves (PP/RR), trata desse tema e devolve a responsabilidade à Justiça.
Durante a tramitação, o texto foi emendado, tornando obrigatório o pagamento da perícia pelo próprio autor da ação. A Justiça só vai arcar com os custos da perícia daquela pessoa que comprovadamente tem renda familiar até meio salário mínimo per capita ou familiar mensal de até três salários mínimos. A emenda foi uma sugestão do Ministério da Economia.
Ainda não há data definida para que o texto seja votado.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se manifestou nesta semana e informou que o Conselho da Justiça Federal (CJF) está participando das discussões.
O CFJ reafirmou que o prazo de pagamentos das perícias por parte do Executivo terminou no dia 23 de setembro. Depois dessa data, segundo o conselho, os pagamentos só podem ocorrer após autorização por via legislativa.