São Paulo – O desafio da equipe econômica chefiada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vai além do ajuste fiscal franqueado pelo superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. A questão é que para muitos a tal missão, atribuída a si mesma pela área econômica conforme vem falando o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, parece ainda não estar clara. Deste universo de duvidosos é que surgem questionamentos sobre a capacidade de o primário proposto recolocar a economia na trajetória do crescimento sustentável.
Segundo o economista da Brasil Investimentos & Negócios (BRAiN) André Sacconato, o ministro Levy e seus secretários sabem que só o ajuste fiscal não é suficiente para reequilibrar as contas públicas e imprimir crescimento à economia. “Mas é um passo determinante porque a partir do momento que o investidor se convencer de que o Brasil tem dinheiro para pagar as contas, os investimentos virão”, diz. No começo, de acordo com ele, a economia vai sentir o repuxo do ajuste, que se propõe a ser forte. Isso aconteceu com a Inglaterra que, antes de começar a crescer na década de 80, passou por uma recessão de três anos para acertar suas contas.
A retomada do crescimento, na avaliação de Sacconato, tem uma precedência temporal. “A precedência temporal para estes tipos de ajustes é fundamental. Não adianta fazer reformas microeconômicas antes de assegurar a estabilidade macroeconômica”, diagnostica o economista da BRAiN. Para ele, o ajuste fiscal melhora todo o resto; as contas públicas e o balanço de pagamentos. “E o Levy já disse que o segundo passo serão as reformas microeconômicas. É exatamente o que o Lula e o Palocci fizeram”, emenda o economista.
A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, também entende que o desequilíbrio macroeconômico é a primeira frente a ser atacada para depois partir para a arrumação da microeconomia. É o desarranjo macroeconômico, segundo ela, que gera a inflação e retira competitividade das empresas e renda das famílias. “É importante ressaltar que o potencial de crescimento do Brasil encolheu”, diz. E isso aconteceu pelas distorções causadas pelos estímulos fiscais concedidos pela equipe econômica anterior sem o acompanhamento da inflação.
As contas públicas desorganizadas, de acordo com a economista da XP Investimentos, desestimulam o ganho de produtividade da economia, problema este de ordem estrutural. No campo conjuntural, de curto prazo, segundo Zeina, o que se tem a fazer é o ajuste fiscal para tirar das costas do Banco Central a responsabilidade de controlar sozinho os preços, já que o instrumento clássico mais rápido e eficiente de combate à inflação é a taxa Selic.
“Estamos crescendo abaixo do potencial (1,5% a 2%) porque a macroeconomia está desorganizada”, avalia Zeina. Para ela, a meta de superávit primário, se for atingida, vai ajudar muito. “Mas é preciso fazer as reformas porque o mundo fez as suas e o Brasil ficou para trás”. Por isso, segundo Zeina, a agenda do ministro Levy está na direção correta. O juro alto, na avaliação da economista XP Investimentos, não é a causa do desequilíbrio fiscal. É a consequência de um País que não tem poupança, de um governo que gasta muito e que não estimula a poupança do setor privado.
De acordo com o coordenador do curso de economia do Ibmec, Márcio Salvato, o ajuste fiscal é “necessário e imprescindível”, pois ele vai definir o patamar dos juros. “E juros elevados inibem investimentos. E se eu quero fazer com que retorne o crescimento via investimento só consigo fazer com juros menores”, afirma, ponderando que não vê no cenário atual a possibilidade de que a Selic caia, “sendo otimista”, antes do fim deste ano por causa do cenário inflacionário. O coordenador do Ibmec diz que o governo precisa “pensar em outras coisas além de do superávit primário”.
Para Salvato, o Brasil precisaria enfrentar problemas estruturais e investir em reformas urgentes, como a trabalhista e a tributária, que ajudariam o País a ganhar competitividade. “São problemas antigos de difícil solução, mas fundamentais para que o País cresça de forma saudável”, afirmou.
Salvato diz ainda que agora “não é o momento de baixar juros” e que esse é um problema criado pelo governo. “É um problema que a gente criou com inflação e déficit público elevados. Primeiro temos de atacar a causa e os juros vêm na sequência”, disse. “Se não atacar a causa não posso reclamar dos juros”, reforça.
Para o vice-presidente do Insper, Marcos Lisboa, o desequilíbrio fiscal é resultado de uma política equivocada nos últimos cinco ou seis anos. “É grave, mas é apenas a ponta do problema. É preciso desfazer o que foi feito nos últimos anos, com uma política de controle nacional dos preços, expansão do crédito subsidiado e regras de desonerações que beneficiaram apenas alguns setores”, diz. Lisboa, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda na gestão do petista Antonio Palocci, afirma que no ano passado o descontrole das contas do governo foi ainda maior que o esperado e, por sua vez, o quadro econômico ficou pior que o projetado. “A economia desacelerando ainda mais fortemente e a piora nos gastos públicos trazem desafios ainda maiores do que há dois meses, quando a equipe econômica anunciou o ajuste”, afirma.
Lisboa diz ainda que o problema que o País vive hoje é reflexo de um “adiamento” nos ajustes necessários. “Em 2008, quando houve a crise mundial, o Brasil tinha de ter feitos ajustes moderados e passar por uma transição. Mas, na tentativa de evitar fazer ajuste simples e moderado há cinco anos foi-se criando uma série de intervenções, remendos para tentar evitar o problema e tudo isso agravou o quadro atual”, afirma. Agora, na avaliação do vice-presidente do Insper, “a realidade impôs um ajuste mais severo e prolongado”. “É uma agenda difícil, que vai muito além do fiscal, mas se o fiscal não for enfrentado o problema vai ser muito maior”, completa.
(Estadão Conteúdo)