Quando o profissional liberal Guilherme Tavares e a perita criminal Thais Ruas saíram de casa neste sábado (04/02) para mais um dia de academia, não imaginavam que viveriam uma situação constrangedora com o filho de cinco anos que renderam-lhes desabafos nas redes sociais. É que o pequeno João diagnosticado há um ano com espectro autista foi impedido de permanecer no local pelos funcionários do estabelecimento que pediram sua retirada. Nesta terça-feira (07/02), a empresa enviou posicionamento ao Diário de Goiás. A matéria foi editada para inserção da nota.
Sem ter onde deixar o pequeno João, Thaís e Guilherme decidiram levá-lo à academia, já que por ser sábado, o filho não foi à escolinha. Ao chegar no local, direcionaram o garoto ao que chamaram de “cercadinho” destinado à crianças. “Quando fomos sair de casa conversamos que ele ficaria numa salinha onde conseguia nos ver, ele parecia angustiado mas parecia ter entendido”, relata Thais.
“Ao chegarmos na academia a surpresa foi que na tal sala “dedicada” às crianças havia duas mesas, nenhuma cadeira, papel, lápis, massinha, nada!”, descreve a mãe. Guilherme decidiu, então, ir atrás de funcionários do local, para que liberassem a criança acompanhá-los. “Ele [João] disse que queria malhar e ficar forte”, relembra Ruas.
A partir daí, começou uma sina que durou quase uma hora. Guilherme teve de entrar em contato com o dono da academia para explicar que seu filho poderia acompanhá-lo em qualquer lugar no estabelecimento. Também não havia nenhum comunicado por meio de palavras que indicasse que crianças não eram bem vindas ali. Ao Diário de Goiás, a empresa reiterou a probição de que não eram permitidas crianças no estabelecimento.
Fora a legislação garante que qualquer criança diagnosticada com autismo possa estar acompanhada por seus pais. Desde 2012 uma lei instituiu a Política Nacional de Proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista e diz que a “pessoa com transtorno do espectro autista não será submetida a tratamento desumano ou degradante, não será privada de sua liberdade ou do convívio familiar nem sofrerá discriminação por motivo da deficiência.”
Após aproximadamente meia hora de muita conversa e ânimos aflorados, o pequeno João conseguiu acompanhar a mãe no local. Decidiu então subir num equipamento e estava mexendo no celular enquanto Thaís praticava seu exercício físico. A recepcionista, no entanto, pediu para que João saísse dali ou se retirasse do local. A empresa contesta essa versão e disse que foi proposta outras alternativas para que Guilherme e Thaís continuassem os exercícios com o pequeno João presente. Leia o posicionamento ao fim da matéria.
Guilherme e Thaís contestaram. Relembram a legislação e até sugeriram que os proprietários buscassem no Google a informação básica. Em vão. A academia sugeriu que o dinheiro da mensalidade fosse restituído. “O Gui pediu que o dono da academia formalizasse por escrito o motivo de sua recusa na permanência do João e ele se recusou e disse que estávamos polemizando demais. Fomos até a recepção e o dono da @voltzfit pediu que nos retirássemos e ofereceu a devolução do valor da mensalidade”, destacou Thaís.
Fica o medo de procurar outro lugar. “Preferiram perder dois clientes a repensar a posição capacitista e pouco empática. Não conseguimos nosso dinheiro de volta ainda, prometeram nos ressarcir na segunda”, pontuou.
“Agora fica o medo de procurar outro lugar para fazer atividade física e passar por isso novamente. A gente vai atrás de uma atividade física para manter a saúde mental e ela é posta a prova assim”, desabafou Thaís.
Dificuldade em lidar com crianças autistas. Guilherme desabafa. Não foi a primeira vez que viu seu filho sofrer discriminação pelo diagnóstico. Até na igreja e julgamentos de amigos.
“Tô cansado de ser retirado de todos os locais por conta do meu filho ser autista. Seja instituição religiosa, academia, corpo de amigos. Na verdade, as pessoas não estão preparadas para lidar com crianças que tem espectro autista e elas simplesmente começam a te excluir e não problematizar o seu não comparecimento porque é mais fácil”, lamenta.
O diagnóstico para autismo de João foi feito há quase um ano em julho de 2022. Ele tem hiper focos que mudam com o tempo. Já teve paixão por dinossauros e sabia tudo sobre as espécies. Depois, carros. À época do diagnóstico, seu interesse girava em torno do sistema solar e de foguetes, fazendo desenhos com detalhes de seus planetas: tamanho, cor, distância, aneias.
Na escolinha, João não se entrosou com as crianças e dedicou parte das rodas de atividade, ao lado, preferindo isolamento. Também há padrões para dormir: tem de ligar ventilador, colocar trilha sonora de MPB e só aí se deita na cama. Se a ordem falhar, é necessário recomeçar todo o processo.
O diagnóstico não demorou. – “Transtorno do espectro do autismo sem transtorno do desenvolvimento intelectual e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional, diagnóstico este que requer, URGENTEMENTE, estimulação precoce durante todo o tempo de desenvolvimento da criança, devido `a neuroplasticidade cerebral desse período”
Advogado diz que ação configura “dano moral” e “conduta discriminatória”
O advogado Diego Nonato de Paula, especialista em direito da Família, destaca que a ação caracteriza “dano moral” e “conduta discriminatória” ao descumprir a Lei 12.764/2012. “Uma vez que a academia permitiu a entrada da criança, principalmente pois não havia nenhum aviso informando qualquer proibição. Ao contrário, tinha um cantinho reservado para crianças, indicando que outras crianças poderiam entrar ao local”, pontuou.
“O João por ser portador do espectro autista não poderia ser privada do convívio com os familiares. A atitude da academia de permitir a entrada e posteriormente falar para o pai e mãe que a criança não poderia ficar sentada no equipamento que suporta até 130 kgs. Pedir para a criança sair do equipamento e sentar no chão? É um absurdo”, destacou.
Por fim, destacou que a ação pode gerar duas esferas de ação: pedagógico e punitivo. “ pedagógico serve para que a academia aprenda que eles não podem fazer isso nem com o João, nem com qualquer pessoa. O punitivo é porque sabe que quando dói no bolso as pessoas mudam. Exatamente essa forma de puni-lo pagando uma indenização a família para que eles não voltem a se comportar dessa forma”, salientou.
Academia destaca que não houve preconceito nem discriminação
A Voltz Academia destacou que não houve conduta discriminatória ao tratar do pequeno João mas reforçou a proibição de que não era permitida entrada de crianças no local. “Em nossa academia, como em tantas outras é proibido a entrada de crianças, visando a segurança dos mesmos, visto que percorrem muitas pessoas, com barras, pesos e outros que podem machucar. A questão em si jamais seria o fato do filho ser diagnosticado com espectro autista, jamais houve preconceito ou discriminação de nossa parte”.
O estabelecimento também se defende com relação a sala citada por Thais e Guilherme na matéria. “Essa sala em questão não é destinada as crianças, os pais deixam seus filhos nela, por opção deles, nossa academia em nenhum momento postou ou ofereceu o serviço de brinquedoteca”, pontua.
A empresa também destacou que a recepcionista não pediu a retirada da criança da academia. “Em momento algum nossa funcionária pediu que a criança ou sua família se retirasse da academia, pediu apenas que por segurança os pais colocassem a criança sentadinha em algum cantinho, para que não se machucasse, pois assim teria sido o combinado antes de subirem, e nesse momento o pai se alterou novamente com a recepcionista, acusando-a de tentar o deixar acuado”, destacou.
“Nós ficamos em uma situação em que quanto mais tentávamos explicar que não poderia entrar por ser criança, o pai dizia que era por o filho ser autista, onde jamais seria esse o motivo”, complementou o posicionamento.