Era 17 de maio de 1987 quando o então Superintendente de Ação Cultural da Secretaria de Cultura de Goiás, Secult, Carlos Brandão, visitou pela primeira vez o terreno onde foi construído o Centro Cultural Martim Cererê. Em março daquele ano, o secretário de Cultura, Kléber Adorno, havia pedido a Brandão que verificasse a possibilidade da construção de um centro cultural no Setor Sul onde havia caixas d’águas abandonadas. “Kleber, eu vim para trabalhar com cultura e não com caixa d’água”, esbravejou Brandão. “Eu sei, mas vai lá.”, retrucou o secretário. Brandão relutou, mas acabou cedendo. Talvez ele previsse que a paixão seria arrebatadora. Ao chegar ao local, que só tinha mato e destruição, Brandão se encantou. Logo convidou o arquiteto Gustavo Veiga para que ambos elaborassem o projeto arquitetônico com propósito de aproveitar os reservatórios para a construção de teatros. Veiga, por sua vez, também se encantou pela possibilidade da construção de um centro cultural ali. Inicialmente o projeto se chamava Novas Águas, nome dado por José Px Silveira Jr.
Para a aprovação do projeto o calvário foi maior que Brandão imaginava. O mato e a destruição eram os menores problemas. O Ministério da Cultura não aprovou o projeto e, para piorar, a área era da Companhia Energética de Goiás, a Celg, que já havia elaborado um projeto de construção de um prédio de 22 andares. Obviamente a Celg não cedeu o local à Secretaria. Após oito meses de luta sem êxito, Brandão passou a responsabilidade do projeto para o secretário. Tempos depois, ele foi convocado a ir à sala de Kleber. Ao entrar, se deparou com o projeto aberto em cima da mesa do secretário, que olhou para ele e disse: “Nós vamos fazer isso aqui!”. Então, Brandão indagou: “Como?”Kleber respondeu: “Nós vamos invadir!”. E invadiram.
As obras estavam em andamento quando o governador Henrique Santillo visitou o local e também se encantou. Na ocasião, um grupo de teatro do ator e diretor Marcos Fayad ensaiava ao ar livre a peça Martim Cerere, de Cassiano Ricardo. “Santillo pirou na movimentação e disse: Eu dou (a área) para vocês”(sic), relembra Brandão. O governador concedeu à Secretaria de Cultura a área, exceto uma parte à qual foi destinada a construção de uma creche. “O Kleber era amigo do (Henrique) Santillo e ele sabia que o governador cederia o espaço. Santillo era um governador diferenciado e foi o melhor governador da área de cultura do Estado de Goiás. Ele era humanista, fazia porque achava interessante, era inteligente e tinha nível cultural”, pontou Brandão.
Em 20 de outubro de 1988 artistas se reuniram em frente ao antigo Centro Administrativo, na Praça Cívica, e caminharam rumo ao Centro Cultural Martim Cererê para a inauguração. “A inauguração foi noticiada em todos os jornais locais e em revista como a Veja e a IstoÉ. À época comparam a Secretaria de Cultura de Goiás com a do Paraná, que era considerada a melhor do país”, ressaltou.
A sina de Brandão com o CCMC foi além da idealização. Ele assumiu a gerência em 1999, no primeiro mandato do governador Marconi Perillo. O convite para o cargo se deu por meio de um telefonema pelo qual o secretário de Cultura, Nasr Chaul, tratou de uma “guerrilha” com Brandão. “Estou muito velho para essas coisas. Não quero fazer guerrilha não”, argumentou Brandão.“Não! Não! O Martim Cererê está acabado. Precisamos de um doido para fazer uma ‘guerrilha’ lá e único doido de Goiânia é você”, insistiu Chaul. A missão dada ao Brandão era reestruturar o CCMC, que estava sucateado. Inicialmente o muro alto deu lugar às grades. Praças foram construídas ao lado e nas proximidades do centro cultural.
A empreitada de Brandão foi além das reformas. As pautas foram reformuladas e havia uma programação contínua e diversificada. Em 2000 foi iniciada a Temporada Cererê, projeto em que artistas da música, teatro e dança se apresentavam semanalmente. A programação acontecia de quinta a domingo. Eletronicamente, projeto de música eletrônica da produtora Lydia Himmen, também foi importante para consolidação do espaço. “Era genial o que ela fazia! A garotada lotava o Martim”, lembra. “Nós tínhamos 450 espetáculos por ano. Não é ousadia minha dizer isso. É modéstia às favas mesmo. Nenhum centro cultural do Brasil tinha a quantidade de espetáculo que o Martim Cererê disponibilizava.” Cabe ressaltar que o Estado não repassava verba mensal ao centro cultural. A manutenção do espaço era realizada por meio de parceiras com produtores culturais que ali realizavam seus espetáculos e shows.
Naquele período havia uma tensão na cidade que propiciou o fortalecimento da cena rock. Várias bandas — de qualidade — despontaram e, embora algumas casas de shows as abrigassem, havia a necessidade de um local que explorasse essa demanda na perspectiva cultural e criativa. Carlos Brandão à frente do Martim Cererê foi crucial neste processo. Inúmeros shows e festivais emblemáticos aconteceram por lá. A Monstro Discos foi a primeira produtora a estabelecer parceria com o CCMC sob a administração de Carlos Brandão.“Certo dia convidei o Márcio Jr. e o Fabrício (Nobre) para uma conversa e propus a eles que fizessem o Goiânia Noise Festival e Bananada no Martim por de três anos. Depois disso os festivais cresceriam e não caberiam mais no Martim (Cererê).
De fato os eventos cresceram muito, mas a relação do CCMC com o rock foi além. Não é exagero afirmar que incontáveis edições de festivais foram realizadas ali. Assim como não é exagero pontuar que inevitavelmente surgiram mais produtoras e bandas. “Em 2001 tinha umas 100 bandas em Goiânia. Atualmente devem existir umas 800. Quer dizer, aquele período foi e importante pra cena. Não que hoje não seja, mas naquela época as bandas eram mais criativas e o público mais exigente. Muitas pessoas acham que o rock de hoje é mais criativo. Eu não acho. Hoje o rock de Goiânia é mais repetitivo. São poucas as bandas que não parecem com as outras. ”
Brandão lembra com carinho da garotada que passou a frequentar o Martim Cererê naquele período e que contribuiu para o “boom” da cena roqueira. “Era uma molecada antenada, inteligente, curiosa, que tinha nível cultural e educacional. Parecia outra cidade que estava preparada para aquilo tudo que aconteceu. E isso criou uma geração de moleques muito inteligentes e interessantes. Eles estão até hoje por aí ocupando espaços pela cidade”.
Brandão esteve à frente do CCMC por sete anos e oito meses. A saída antes do término do segundo mandato de Perillo foi o combo: cansaço e medo da gestão seguinte. “Eu estive à frente do Martim Cererê por quase oito anos. E oito para mim é ditadura. Se eu ficasse lá por mais quatro anos seria Pinochet. Deus que me livre de ser Pinochet!”, ironizou. “Eu também não queria desfazer tudo que eu conquistei nesses anos todos de trabalho, então preferi sair antes”, ressaltou. Segundo Brandão, o que ele temia de fato aconteceu na gestão do Alcides Rodrigues (2007–2010): toda programação foi desativada. “A diretora apostou no lema do Marcos Fayad de que eu tinha feito a revolução dos ‘camisas preta’ e que o Rock n’Roll era algo nefasto para o Martim, desabafou.