Na semana passada (17/5), na França, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, presidente do júri do Festival de Cannes de 2017, lutava contra o futuro ao dizer que não se via entregando a Palma de Ouro para um filme que nunca passou em um cinema.
Nesta sexta (26), no resto do mundo (entre 190 e 200 países), a Netflix segue inexorável em sua revolução tecnoeconômica e estreia para seus assinantes um filme de guerra protagonizado por Brad Pitt.
Ao custo estimado de US$ 60 milhões (R$ 195 milhões), “War Machine” vai direto para a internet, ignorando a potencial bilheteria das salas (raramente abaixo dos US$ 100 milhões, no caso de um filme com Pitt). Ignora também lucros de aluguel, de venda para TV a cabo e de lançamento em DVD.
Já acostumada a produzir séries e documentários, e se aventurando em filmes de arte (vide Cannes), espanta que a Netflix tenha se envolvido no projeto desde sua produção, e não apenas comprado o filme pronto.
“O filme foi oferecido inicialmente para o estúdio New Regency, que lançou ‘A Grande Aposta’ e ’12 Anos de Escravidão’ recentemente”, disse à reportagem o produtor Jeremy Kleiner, que ganhou um Oscar neste ano pela produção de “Moonlight – Sob a Luz do Luar”. Ele é copresidente da Plan B, produtora de Brad Pitt e parceira da Netflix em “War Machine”, e recebeu a imprensa latino-americana para uma exibição na Cidade do México no início do mês.
“Quando ficou claro com o roteiro que tipo de filme seria, ou seja, complexo, ousado e subversivo, pareceu que o lugar certo era a Netflix. ‘War Machine’ não começou lá, mas, em certo momento, atraiu-nos esse modelo mais livre, em que o dinheiro vem efetivamente dos produtores e não é fundamentado no retorno de bilheteria. Acho que sentimos que o processo seria diferente.”
“War Machine” traça a história de um general (Pitt) envolvido com dois lados da guerra do Afeganistão: a negociação de tropas com Washington e a vida cotidiana nos campos de batalha. É uma mistura de humor negro com drama político, mas com o cuidado de não ser um pouco de cada um.
“Não queria fazer um drama com piadas”, disse o diretor David Michôd, no mesmo encontro. A ideia, bem-sucedida, foi transportar o espectador para um universo um tom acima no sentido do absurdo, enfatizando a distância dos burocratas da guerra da vida normal. A crueza das cenas de campo traz a realidade de volta.
Michôd é um australiano em ascensão. Seu violento “Reino Animal”, sobre uma família de criminosos de Melbourne, venceu a categoria world do festival de Sundance em 2010, e “The Rover – A Caçada” (2014) é um faroeste no deserto com pitadas de “Mad Max”. Este está na Netflix.
Sobre ter seu filme exibido direto no streaming, Michôd não reclama.
“Amo ver filmes na tela grande, e também amo vê-los em casa, na verdade vejo mais em casa. Tenho uma ótima TV”, disse à reportagem. “Mas veja, estou ciente de que 90%, mais do que 90%, das pessoas que viram meus primeiros dois filmes os viram em casa. Amo a ideia da tela grande, mas estou totalmente abraçando a ideia de que os filmes realmente vivem depois.”
“Há algum tempo, fiz minha lista dos dez melhores filmes de todos os tempos e me dei conta de que apenas três ou quatro eu assisti na tela grande. Muitos deles, a primeira vez em que assisti foi no videocassete.”
“Estou grato de correr riscos e fazer filmes, independentemente se eles vão se pagar ou não. O cinema precisa dessa liberdade e a Netflix está pagando por isso.”
“Essas plataformas deveriam aceitar as regras em vigor, que vêm sendo adotadas por todos os meios. É a única forma de o cinema sobreviver”, opinou Almodóvar lá atrás.
Nem tudo está perdido: pelo menos nas exibições para a imprensa, a Netflix respeita as “regras em vigor”.
Para degustar “War Machine”, a empresa levou jornalistas a um cinemão VIP na Cidade do México, com poltronas reclináveis, pipoca e refrigerante, como Almodóvar gosta, em vez de distribuir tablets ou colocar-nos numa reles sala de estar com televisão. David Michôd agradeceu.
WAR MACHINE
DIREÇÃO David Michôd
ELENCO Brad Pitt, Anthony Michael Hall, Meg Tilly
PRODUÇÃO EUA, 2017
QUANDO estreia nesta sexta (26)
(Folhapress)