Diante dos ataques à democracia em diversos países do mundo, o anúncio do Prêmio Nobel da Paz aos jornalistas Maria Ressa e Dmitri Muratov é um reconhecimento da importância da liberdade de expressão e do combate contra as fake news. Os dois foram premiados ontem pelas denúncias de abusos de poder nas Filipinas e na Rússia.
“O jornalismo livre, independente e com base em fatos protege contra o abuso de poder, as mentiras e a propaganda de guerra”, disse Berit Reiss-Andersen, presidente do comitê do Nobel. “Os dois foram premiados em razão da luta corajosa pela liberdade de expressão, uma condição prévia para a democracia e pela paz duradoura.”
Ressa, de 58 anos, chefiou o escritório da CNN nas Filipinas, e fundou o site de jornalismo investigativo Rappler, em 2012. Ela foi condenada a 6 anos de prisão depois de publicar denúncias contra o presidente filipino, Rodrigo Duterte, e sua violenta guerra às drogas. Muratov, de 59 anos, é um dos fundadores do jornal Novaya Gazeta, uma das poucas vozes que desafiam o presidente russo, Vladimir Putin.
Em 2018, Ressa apontou semelhanças entre Duterte e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. O presidente filipino foi eleito em uma campanha marcada pela desinformação nas redes sociais e com uma plataforma de extrema direita sem disfarces, que defendia até execuções extrajudiciais – devidamente colocadas em prática durante seu governo.
Ontem, em um depoimento na página do Rappler no Facebook, Ressa disse que “um mundo sem os fatos significa um mundo sem verdade e sem confiança”. “(O prêmio) é um reconhecimento de como é difícil ser jornalista hoje. Como é difícil continuar fazendo o que fazemos. É um reconhecimento das dificuldades, mas também de como venceremos a batalha pela verdade.”
Muratov afirmou que o prêmio era para a Novaya Gazeta e para todos os jornalistas russos que morreram defendendo a liberdade de expressão. “Agora que eles não estão mais entre nós, (o comitê do Nobel) provavelmente decidiu que eu deveria dizer isso ao mundo inteiro”, disse. “Usaremos o prêmio para ajudar jornalistas russos que enfrentam a repressão, aqueles que foram classificados como agentes estrangeiros, foram perseguidos e deixaram o país.”
Para o diretor para as Américas da Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, o prêmio enfatiza a necessidade de uma imprensa livre em países onde a democracia está em declínio. “É um grande reconhecimento ao que representa o jornalismo livre em uma sociedade dirigida por governos autoritários, como é o caso de Rússia e Filipinas.”
Analistas afirmam que o mundo passa por uma crise que coloca em xeque a credibilidade das instituições democráticas. E o aumento da desigualdade leva à insatisfação de populações que passam a buscar respostas rápidas e simplórias, uma das causas da erosão da democracia.
Segundo o Comitê para Proteção dos Jornalistas, 17 profissionais de mídia foram mortos nas Filipinas e 23 na Rússia na última década. A ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que contabiliza 24 jornalistas mortos desde o início do ano e outros 350 presos, disse que o prêmio era “um chamado à mobilização para defender o jornalismo”.
Casos de ataques a jornalistas também aumentaram nas redes sociais. Um levantamento feito pela RSF e pelo Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio) mostra que, no Brasil, meio milhão de tuítes foram feitos contendo hashtags com ataques à imprensa entre março e junho. O estudo mostra ainda que houve maior engajamento desses tuítes atrelado a grupos de usuários que dão base de sustentação ao governo de Jair Bolsonaro.
“O dia com o maior número de postagens foi 10 de maio, com 36 791 registros, na esteira da publicação de uma reportagem do Estadão sobre o esquema de orçamento paralelo, usado para liberar verbas para emendas parlamentares. “Ao analisar os períodos de maior engajamento com as hashtags monitoradas, fica evidente um movimento amplo de reação a informações reveladas pela imprensa que expõem negativamente o governo”, diz o estudo
De acordo com a RSF, em 2020, membros do alto escalão do governo brasileiro, entre eles a família de Bolsonaro, foram responsáveis por 580 ataques à imprensa, incluindo ameaças, xingamentos e exposição de jornalistas e veículos de comunicação de maneira vexatória em declarações públicas, entrevistas e postagens em redes sociais.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.