Futebol e política fazem uma tabelinha famosa no Brasil. Mas o técnico Tite não quer continuar a jogada.
Ao deixar o país rumo à Copa, a seleção tradicionalmente visita o presidente em Brasília. Desta vez, Tite foi claro. Ao ser questionado sobre como se sentiria ao lado do presidente Michel Temer, o treinador rebateu: “Não me sentiria à vontade com nenhum político. O meu meio é o futebol”, disse o treinador à Folha no início da tarde deste sábado (2), em Moscou, onde no dia anterior participou do sorteio dos grupos da Copa do Mundo.
“Não se deve confundir uma coisa com a outra”, acrescentou o técnico, que não contou na Rússia com a companhia do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, acusado pelo FBI de ser um dos beneficiários do esquema de recebimento de propina para a venda de direitos de torneios. Desde 2015, o cartola não sai do Brasil.
Com a seleção apontada como favorita pelos técnicos que foram à Rússia, ele preferiu ser mais cauteloso após a festa em Moscou.
“Não tenho condição de prometer. Não sou demagogo”, disse o treinador ao ser questionado se prefere vencer o Mundial ou dar espetáculo. “O processo que é importante. Eu quero que o Marcelo jogue aqui o que faz no Real Madrid. O Paulinho tenha o mesmo desempenho do Barcelona dentro da seleção”, completou.
Na Copa, Tite disse que que não ser “repressor” e dará folga aos atletas para encontrarem os familiares ou fazer um churrasco com bebida. “Não sou paternalista. Cada um assuma a sua parcela de responsabilidade em cima dos seus atos”, afirmou o gaúcho.
Ele lamentou a falta de sorte da seleção no sorteio. O time escolheu a cidade de Sochi como base para os treinamentos, mas não jogará nenhuma vez no estádio local, que abrigará seis partidas do Mundial.
Na primeira fase, o Brasil atuará em Rostov-do-Don, São Petersburgo e em Moscou. Os adversários serão, respectivamente, Suíça, Costa Rica e Sérvia.
Por isso, a delegação viajará um total de 7.376 quilômetro, somando deslocamentos aéreos entre ida e volta para Sochi.
“Sem meias palavras. Não gostei. Lastimo”, disse o treinador, que embarcaria de noite para visitar a cidade à beira do Mar Negro.
Folha – Jorge Sampaoli [técnico da Argentina] disse que o Brasil é o favorito. Você compactua com a opinião dele?
Tite – Entendo as opiniões. Ele tem as deles e serve para as pessoas refletirem. Inicialmente, me parece que os grupos estão equilibrados. Alguns [grupos] já tem os favoritos claros. Por exemplo, o Grupo da Espanha e de Portugal. Eles são favoritos. A disparidade técnica deles para os adversários [Irã e Marrocos] é bastante acentuada.
Isso não existe no grupo do Brasil. Veja a Costa Rica. Eles ganharam da Itália e do Uruguai e empataram com a Holanda, a Grécia e a Inglaterra no último Mundial. Eles não perderam para ninguém. Olha a pontuação do ranking da Fifa. Qual é a maior pontuação de enfrentamento entre seleções da Copa? É Brasil, segundo, e Suíça, oitavo.
Ou seja, não tem como baixar a guarda. A nossa exigência é de alto nível. Mas esse grupo pode nos fortalecer na sequência.
Folha – Qual o maior desafio: ganhar a Copa ou dar espetáculo?
Tite – É o desempenho. Não tenho condição de prometer a conquista da Copa do Mundo. Não sou demagogo. Claro que quero vencer. Sou otimista. Mas é raso falar isso. Todos que estão aqui querem. O processo que é importante. Eu quero que o Marcelo jogue aqui o que faz no Real Madrid. O Paulinho tenha o mesmo desempenho do Barcelona dentro da seleção.
Eles vão jogar na mesma posição que fazem nos clubes. O Diego vai fazer o que faz no Flamengo. Eles vão ter o desafio de reproduzir performance com o peso e a responsabilidade de uma Copa. Esse é o desafio. Mas cobrar o resultado é demagogia
Folha – A CBF anunciou na véspera do sorteio que a seleção ficará em Sochi. Na cerimônia de sexta, o Brasil não teve sorte e não vai jogar nenhuma partida lá. Fora isso, terá que viajar bastante. Essa logística te preocupa?
Tite – Sem meias palavras. Não gostei. Lastimo. Gostaríamos que tivéssemos um jogo em Sochi.
O aleatório é o aleatório. Tínhamos que decidir antes. A minha prioridade era ter dois bons campos de treinamento, um hotel bem próximo para recuperação e alimentação. Sochi nos ofereceu isso. A estrutura de lá potencializa o nosso tempo.
Folha – Você vão ficar quase dois meses juntos. Como vai ser confinar os atletas tanto tempo para a disputa da Copa?
A minha experiência me permitiu dizer isso. O limite de ficar todos juntos é de oito dias. A partir daí, o “bom dia” do outro já ecoa.
O que trago como ideia são períodos de folgas nos intervalos das partidas. Você quer namorar? Vai. Você quer encontrar os seus parentes? Folha – Vai. Quer fazer um churrasco e beber com os amigos? Vai.
Tite – ZNão sou paternalista. Cada um assuma a sua parcela de responsabilidade em cima dos seus atos. Não vai ficar com o técnico a repressão e a coação. Na seleção, o atleta tem que ter responsabilidade. Cada um precisa desse combustível. Somos seres humanos, somos emoção. Queremos ter momentos agradáveis dentro de uma seleção.
Folha – A seleção passa em Brasília antes de viajar para a Copa. Como evitar que a seleção seja usada politicamente?
Tite – O futebol traz por si só a responsabilidade de vencer por alguns princípios e não a qualquer custo. O técnico gosta de ser o mais competente, que os atletas façam com mais habilidade o seu trabalho.
O aspecto político está à margem disso tudo. O futebol tem uma representação da emoção. A política tem uma responsabilidade muito maior, que é anticorrupção e o voto consciente. Não se deve confundir uma coisa com a outra.
Folha – Mas você se sentiria bem ao lado do presidente Michel Temer?
Tite -Sei que você está tentando me levar para falar especificamente do ato. Já te respondi em termos de ideia. Não me sentiria à vontade com nenhum político. O meu meio é o futebol. A responsabilidade do técnico é ser democrático, transparente, e não misturar com o outro lado.
(FOLHA PRESS)