A Constituição reserva a detentores de mandato eletivo e outras autoridades a prerrogativa de serem julgados exclusivamente por instâncias superiores
A possibilidade de ser aplicado o foro por prerrogativa de função, também chamado de foro privilegiado, em ações de improbidade administrativa contra agentes públicos foi criticada por juristas, advogados e estudiosos do direito ouvidos pelo Estado. A avaliação é de que a medida seria um retrocesso em relação às decisões tomadas no julgamento do mensalão, que poderia inviabilizar o trabalho do Supremo Tribunal Federal e contribuiria para a impunidade.
A Constituição reserva a detentores de mandato eletivo e outras autoridades a prerrogativa de serem julgados exclusivamente por instâncias superiores. A intenção é evitar que prefeitos, deputados e governadores sejam alvo de perseguições de juízes e promotores locais, que atuam nas primeiras e segundas instâncias. Este instrumento, entretanto, é restrito a ações penais. As que investigam improbidade administrativa têm tramitação comum, ou seja, iniciam em instâncias inferiores e só chegam ao Supremo, por exemplo, após recursos a condenações.
A discussão sobre a possibilidade de uso do foro privilegiado em ações de improbidade foi aberta na última quarta-feira pelo ministro Teori Zavascki. Ele analisava uma questionamento feito pela defesa do deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), contra a baixa de uma ação deste tipo. A discussão foi interrompida por um pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso.
Para o professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (Direito GV), Rubens Glezer, o STF abriu desnecessariamente a discussão sobre uma medida que ampliaria significativamente o escopo de duas atribuições constitucionais. “Seria uma decisão na contramão do que foi usado no julgamento do mensalão”, disse. Ao apreciar a ação penal 470, o então ministro relator Joaquim Barbosa decidiu pelo julgamento dos réus, inclusive os que não tinham direito a foro privilegiado, diretamente pelo STF. A decisão agilizou o fim do julgamento e, por isso, deu margem à discussão sobre o caráter de “privilégio” do foro.
“O Supremo não tem estrutura organizacional para julgar os casos que estão em primeira instância nem de aplicar atos de instrução”, afirmou o juiz Márlon Reis, um dos articuladores da aprovação da Lei da Ficha Limpa, para quem a medida contribuiria para a impunidade. Só na Justiça estadual quase 30 mil ações de improbidade aguardam julgamento, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Na condição de se manterem no anonimato, importantes advogados manifestaram ontem, durante o velório do ex-ministro Márcio Thomas Bastos, uma mistura de desconhecimento e descrédito sobre a discussão. “Vai-se mudar a Constituição?”, questionou o criminalista Luiz Fernando Pacheco. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.