O vídeo que mostra dois policiais atirando em homens já caídos no chão, gravado durante um confronto na Fazenda Botafogo, em Acari, zona norte do Rio, é flagrante de uma situação que vem se tornando mais frequente no Estado: mortes em decorrência de operações policiais.
O número aumentou 78,4% neste ano. Em janeiro e fevereiro de 2016, morreram 102 pessoas nessa situação. Em 2017, foram 182 no mesmo período, média de três por dia.
Para especialistas, os dados refletem a deterioração da política de segurança estadual como um todo.
A quantidade de homicídios dolosos no Rio cresceu 20,7% neste ano –foram 978 em janeiro e fevereiro, contra 810 em igual período de 2016.
Também aumentaram os casos de policiais mortos em serviço –em 2016, foram cinco até março; neste ano, sete. Se incluídos os casos de policiais de folga e reformados, as mortes chegam a 46 em 2017, mas não é possível saber se houve alta porque a PM não divulgou dados equivalentes do ano anterior.
Segundo a polícia, no caso de Acari, houve confronto após agentes do 41º BPM (Irajá) serem acionados para intervir em ações de criminosos em uma rua da Fazenda Botafogo, perto do Rio Acari.
Maria Eduarda Alves da Conceição, 13, morreu depois de ser atingida por uma bala perdida enquanto participava da aula de educação física na Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza.
Durante troca de tiros, os dois homens que aparecem no vídeo ficaram feridos.
Na gravação, dois policiais se aproximam dos homens já caídos no chão. Um deles atira em um dos suspeitos, que ainda estava vivo, após tirar de perto dele uma arma. Depois, outro policial alveja um segundo rapaz, que também aparentava estar vivo.
Os dois policiais, que não tiveram seus nomes divulgados, foram presos sob a acusação de homicídio qualificado após prestarem depoimento. Eles foram levados ao Batalhão Especial Prisional, para policiais, em Niterói. Vão responder na Justiça comum, e a Corregedoria da PM vai instaurar processo interno.
As mortes em Acari ocorrem em uma área coberta pelo 41º BPM e que é notoriamente violenta. Um quinto das mortes por autos de resistência em janeiro e fevereiro aconteceu lá. A região também tem altos índices de crimes patrimoniais e contra a vida.
A escola onde estudava a adolescente que morreu já havia sido fechada três vezes em março deste ano por causa de violência no entorno.
Os dados, porém, mostram que a deterioração da segurança é geral. Especialistas dizem que os números voltaram a piorar a partir de 2013 –e, desde então, a situação só vem se agravando.
“A política de pacificação que se iniciou em 2008 foi um trabalho de pacificação da própria polícia. Em 2007 tivemos um ápice de letalidade policial, com 1.330 casos de auto de resistência. Esse número caiu muito, e agora volta a subir”, diz Silvia Ramos, cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança Pública da Universidade Cândido Mendes.
Políticas que deram certo caminharam ao lado de erros, e a política foi se expandindo sem uma avaliação e uma correção dos problemas.
“Por exemplo, a ideia era que mudasse a relação do policial com a população, e isso não aconteceu”, diz Ignácio Cano, professor da Uerj (estadual do Rio) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG que reúne especialistas do setor.
A crise econômica do Rio vem afetando a política de pacificação e favorecendo um recrudescimento do tráfico.
Diferentemente de outras categorias, PMs não estão com salários atrasados, mas não receberam 13º de 2016 nem bonificações e pagamentos por horas extras.
“O secretário de segurança atual [Roberto Sá, que substituiu José Mariano Beltrame] está isolado. Não tem um governo que o apoie, não tem salários, não tem gratificação. Sinto que a cultura hoje é de não criar conflito com a tropa, de passar a mão na cabeça”, opina Ramos.
Para o ouvidor-geral da Defensoria Pública do Rio, Pedro Strozenberg, “quando essa situação se junta à morte de policiais, que cresce vertiginosamente, você tem a guerra conflagrada”.
Recursos
Em nota, a Polícia Militar diz que vem mês a mês perdendo recursos humanos e materiais. “Nossa mobilidade tem sido comprometida, dificultando o serviço preventivo, e a consequência direta é um maior enfrentamento.”
Segundo a corporação, somam-se a isso mais de 30 mil mandados de prisão não cumpridos, audiências de custódia que têm colocado em liberdade pessoas que são reiteradamente presas e grande volume de armamento.
A PM diz que já foram apreendidos mais de cem fuzis. “São mais fuzis que dias no ano. Os dados refletem um cenário que não depende apenas de nós para ser revertido.”
(FOLHA PRESS)
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