Morreu, na noite desta quinta-feira (22), aos 74 anos de idade, o radialista João Sobreira Rocha, vítima da Covid-19. Natural de Juazeiro do Norte (CE), Sobreira lutava contra a doença, internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), do Hospital de Campanha de Goiânia. O radialista era locutor da Rádio Universitária há mais de 40 anos.
Em entrevista ao Diário de Goiás, alguns colegas lamentaram sua morte. “Conheci João Sobreira Rocha há 35 anos quando era estagiário na Rádio Universitária. Foi a grande voz da emissora, unia poesia, beleza e senso de humor! Um homem de riso, coração e alma enormes! Nosso querido radialista e poeta João foi fazer cordel no céu”, declarou o radialista Ery Ferreira.
“Juntando os anos de estágio e o tempo em que apresentei o programa Liberdade de Expressão convivemos na emissora durante uns 15 anos. Tive o privilégio de substituí-lo nas suas férias em 2010”, lembrou.
O cronista e radialista Paulo Rolim não segurou a emoção ao falar de seu padrinho de casamento e colega de longa data, relembrando alguns momentos marcantes. “Eu conheci o Sobreira em 1982, quando eu, recém-chegado a Goiânia, com 15 ou 16 anos, fui trabalhar como office boy em uma agência de turismo que vendia passagens aéreas. E na época o Sobreira era gerente de aeroporto da Varig. Até então não conhecia o lado radialista dele”, disse.
“Eu comecei na área cultural fazendo teatro e apresentando em colégio e pedimos espaço na rádio universitária para divulgar o espetáculo teatral nosso. Chegando lá, encontro o Sobreira. Então foi aí, em 1984 que eu passei a conhecê-lo também no lado radialista e a partir daí não paramos mais”, completou o radialista que se tornou cronista por incentivo de Sobreira.
“Ele começou a apresentar um programa chamado Universitária em Seresta e passado alguns dias ele leu uma crônica minha. Até então eu não pensava em escrever crônicas, escrevia de maneira muito irregular, não tinha frequência. Mas a repercussão foi espetacular e ele me pediu que escrevesse toda semana e foi quando a crônica começou a fazer parte da minha vida”, lembrou Paulo Rolim. “Eu escrevo crônica, inclusive com livro publicado, devido ao incentivo dele. Porque sem isso, eu teria escrito minhas crônicas, mas guardado caladinho, como sempre fiz”, ressaltou.
Por meio das redes sociais, dentre várias mensagens de luto e carinho, uma familiar, por nome Kallyne Elen, lamentou a perda, com as seguintes palavras: “Com grande tristeza, escrevo para dizer que, na noite de ontem, não perdi só um tio, perdi um exemplo de marido, pai, ser humano incrível, dedicado a família, alguém que não se pode esquecer, de sorriso fácil, gargalhada alta, mente genial, escritor nato, alegria contagiante e uma voz, ahhh sua voz, INCONFUNDÍVEL, fez parte de incontáveis dias felizes que permeiam minhas memórias, uma perda inestimável, difícil imaginar que não vou te ouvir mais ao telefone”.
O amigo de longa data, Paulo Rolim, citado nos parágrafos anteriores, homenageou João Sobreira com uma de suas crônicas em 2017, intitulada por “O menino da Rua São Pedro”, na qual compartilha conosco:
“O menino da Rua São Pedro está volta ao lugar de onde seu coração nunca saiu. Aquelas calçadas em frente às casas, os paralelepípedos – que o tempo se encarregou de torna-los lisos – de um negror quase brilhante estão no mesmo lugar, como a querer saber o porquê do menino estar por tanto tempo tão distante, sem pisá-los com os pés descalços, como a acariciá-los.
E onde estará a velha e antiga bola de meia, onde o menino, juntamente com seus amigos vizinhos, se punha a correr atrás, em alegre e ruidosa brincadeira? E aquele céu azul de mês de abril, em que soltavam pipas, que sumiam no horizonte, levando às alturas os sonhos adolescentes?
A Rua são Pedro hoje está silenciosa. Silenciosa, a ponto de permitir ouvir-se somente o bater apressado do coração do menino que volta no tempo. As flores dos jardins em frente às casas parecem ser as mesmas. As cores desbotadas das fachadas das casas simples, não mudaram. Talvez os quintais ainda sejam os mesmos e nas varandas dos fundos das casas, e as velhas senhoras matriarcas ainda se ponham a falar de dificuldades, de saudades e desejos de bem aventurança.
Nos quintais, as árvores antigas ainda estarão lá… A velha mangueira, generosa e sempre com a sombra amiga oferecia flores, frutos e abrigo para os pássaros. Os pés de seriguela, o imenso e imponente pé de cajá rivalizava com o pé de jenipapo em pujança, confrontado com o belo abacateiro. Era um tempo em que havia quintais…
De volta á rua, o menino desvia o olhar e volta a face para a velha construção, de portas de madeira, com pintura apagada e que se abriam para a freguesia entrar no velho armazém. O armazém da Rua São Pedro. Agora, de portas fechadas. Mas o menino ainda se lembra da velha caderneta, em que se anotavam as compras vendidas à prazo, e de onde ele um dia pegou um pedaço de folha branca e se atreveu a fazer um poema, buscado no coração, para aquela menina linda, que o fazia sonhar…
Atrás dos balcões marcados pelo tempo do velho armazém, a saudade refaz a imagem da saudade do velho patriarca, de mãos grossas e dedos longos, que do alto de sua sabedoria se punha aconselhar os mais jovens – para que se tornassem homens honrados, mas sem jamais perder princípios com generosidade e solidariedade.
Ah, Rua São Pedro. Seu menino está de volta. Está de volta, caminhando descalço pelas suas pedras lisas, com o coração imerso na saudade e com os olhos marejados. Coração que nunca saiu dali, nunca deixou aquele lugar. Não obstante as asas da Pan Air o terem levado para outros cantos, para outras terras, onde o menino tornou-se homem, tornou pai e avô. Mas continua a ser o menino. O menino que ao olhar os arredores de sua cidade teve a certeza que poderia remover montanhas russas, realizando seus sonhos.
Na Rua São Pedro, o menino um dia escreveu poemas para a amada, declamado e difundido em velhas radiadoras, unidas pelo fio da esperança.
As ondas do rádio se encarregaram de espalhar ainda mais poesia e sentimentos. E assim, a amada trouxe aconchego e ternura e assim, ao lado do menino construiu castelos de sonhos alicerçados em realidades.
A Rua São Pedro está lá. Recebe o menino com suas pedras e com seu encanto. O menino da Rua São Pedro está lá hoje, em velhas pedras de saudade!” (Paulo Rolim)