Da primeira vez que usou drogas, Paula Rocha tinha 17 anos, vivia em Araraquara com seus 12 irmãos e ainda era Paulo. Da última vez, tinha 40, morava na rua e acumulava algumas cicatrizes.
Nesse meio tempo, foi viver na capital, mudou de nome e maneira de vestir, ganhou dinheiro com seu salão de beleza, casou-se, comprou chácara e três carros, perdeu tudo para o crack e viveu até dentro de um bueiro.
Agora, aos 42, tenta reconstruir a vida com o primeiro emprego fixo em anos, no programa Trabalho Novo, da Prefeitura de São Paulo, que incentiva empresas a contratarem moradores de rua.
O projeto já empregou 1.045 pessoas e tem como objetivo conseguir vagas para 20 mil até o fim do mandato do prefeito João Doria (PSDB). A meta anunciada inicialmente era conseguir as 20 mil vagas até o fim do ano. A gestão, agora, postergou o prazo.
A prefeitura diz, em nota, que “não tem medido esforços” para criar os postos de trabalho até o fim da gestão. “Cabe ressaltar que o país está enfrentando uma crise econômica, o que acaba dificultando o processo de abertura de vagas em empresas”.
Paula trabalha como cabeleireira em duas tendas da prefeitura montadas na Luz, no centro da cidade e próximo da cracolândia, para acolher usuários e moradores de rua.
Quando foi chamada, diz, nem acreditou: ganhou a vida como cabeleireira quando foi para a capital e se descobriu trans. Com seu salão, conseguiu uma vida confortável.
Até aí, só usava cocaína. O problema foi quando descobriu que o homem com quem viveu por 10 anos a traía. “Eu me senti perdida”, diz ela, que o colocou para fora de casa.
Primeiro, a dificuldade financeira: era ele quem administrava as contas, e ela perdeu o controle do aluguel, das parcelas da chácara que comprou e do imposto dos carros.
Depois, emocional. “Comecei a beber e usar crack, como fuga mesmo”. Vendeu o que tinha para comprar droga.
Quando ficou um mês sem pagar o aluguel de casa, foi despejada e espancada pelo locador do imóvel, relata. “Ele dizia que ia cortar meu pênis, que ia me matar. Quebrou meus dentes, furou minha cabeça toda”, diz.
Foi morar num bueiro com uma amiga. “Passei por tudo. Sou diabética e usava droga para esquecer a fome”, conta. Prostituiu-se: “era xingada, levava ovada, fazia programa e apanhava depois”.
Até que conheceu o novo namorado, há dois anos, também morador de rua, que a ajudou a parar de usar crack.
Com o emprego novo, onde está há um mês e ganha “um pouquinho mais” que um salário mínimo, se planeja para alugar uma casa (hoje, vive em um centro de acolhida da prefeitura). “Se eu consegui sair do crack, consigo subir na vida de novo.”
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