O apresentador do Flow Podcast, Monark, defendeu na noite desta segunda-feira, 7, a formalização de um partido nazista junto à Justiça Eleitoral brasileira, contrariando princípios básicos da Constituição, como a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O programa recebia os deputados federais Tabata Amaral (PSB-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP). Durante uma discussão sobre regimes radicais de direita e esquerda, o anfitrião do podcast saiu em defesa do “direito” de ser antissemita. “Eu acho que tinha de ter o partido nazista reconhecido pela lei”, disse.
Tabata Amaral rebateu as afirmações de Monark (nome artístico de Bruno Aiub), classificando-as como “esdrúxulas” e citando o holocausto na Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial, período marcado pelo extermínio de mais de 6 milhões de judeus. Kataguiri, por sua vez, queixou-se porque, segundo sua percepção, defensores do comunismo teriam mais espaço na mídia do que defensores do nazismo. Ponderando sobre a existência do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), o deputado afirmou: “A gente não tem um partido formal fascista ou nazista com espaço no parlamento e na imprensa”.
A veiculação de símbolos, ornamentos, emblemas, distintivos ou propaganda relacionados ao nazismo é crime previsto em lei federal e descrito na Constituição como inafiançável e imprescritível.
Monark argumentou que a organização formal de um partido nazista estaria amparada pela liberdade de expressão. Fazendo um contraponto, Tabata afirmou que tal liberdade termina quando se manifesta contra a vida de outras pessoas, sublinhando que o nazismo coloca em risco a vida da população judaica, ao que o apresentador indagou: “De que forma?”.
“Se o cara quiser ser antijudeu, eu acho que ele deveria ter o direito de ser”, afirmou Monark. Segundo ele, esse posicionamento seria restrito a uma questão de “ideais” e não estaria relacionado à vida ou à morte de judeus. Respondendo à deputada, que criticou o ato de questionar a existência de alguém, Monark insistiu: “questionar é sempre válido”. Depois, em determinado momento, Kim disse achar errado o fato de a Alemanha ter criminalizado o nazismo.
Segundo a advogada criminalista Cecília Mello, ex-juíza do TRF-3, a suposta liberdade para ser nazista, como defende Monark, encontraria uma barreira na maior valoração de outros direitos fundamentais. “Existem vedações constitucionais em relação à preservação do direito do outro. A sua liberdade é inserida dentro do contexto dos direitos coletivos. Inclusive, quando há dois direitos juntos, verifica-se qual deles tem um peso maior para a sociedade, e, seguramente, nesse sentido, os direitos de respeito, de dignidade e de consideração ao ser humano prevalecem sobre a alegada liberdade de expressão”.
Cecília ressalta que a legislação determina que a criação de partidos políticos deve atender à democracia e o respeito aos direitos fundamentais. “Portanto, por consequência lógica, proíbe a existência de grupos partidários contrários a esses valores”, observa.
O ex-advogado-geral da União Fábio Medina Osório afirma que não se pode, em hipótese alguma, comparar legendas de esquerda com a alcunha de ‘comunistas’ a um possível partido nazista. Segundo ele, tanto o PCdoB quanto as siglas socialistas carregam esses rótulos somente no nome e se inserem na estrutura democrática da Constituição brasileira. “Me surpreende algum parlamentar defender a criação de um partido nazista. Seria um retrocesso inaceitável na democracia brasileira. Importante combatermos a cultura nazista até o fim dos tempos”, disse.
Osório reforça que a liberdade de expressão tem limites constitucionais. O ex-AGU dá exemplos de manifestações que não são amparadas por esse princípio: “Não há possibilidade de se exercer a liberdade para propagar pedofilia nas redes sociais, por exemplo, ou estimular o terrorismo. A vedação aos crimes de discriminação e preconceito constituem um desses limites”.
“A prática do nazismo constitui crime de discriminação e preconceito. Não se pode criar um partido no Brasil para funcionar como organização criminosa”, completou.
Judeus pela Democracia
O grupo Judeus pela Democracia foi às redes sociais na manhã desta terça-feira, 8, se manifestar sobre as declarações do apresentador. A entidade classificou a resposta de Tabata como “perfeita” e criticou o argumento sobre a “liberdade de expressão” sem limites. “Ideologias que visam a eliminação de outros têm que ser proibidas. Racismo e perseguições a quaisquer identidades não são liberdade de expressão”, escreveu o grupo.
Pouco depois, a Conib (Confederação Israelita do Brasil) divulgou nota à imprensa para condenar “de forma veeemente” a defesa da existência de um partido nazista no Brasil e do “direito de ser antijudeu” manifestado por Monark. “O nazismo prega a supremacia racial e o extermínio de grupos que considera ‘inferiores’. Sob a liderança de Hitler, o nazismo comandou uma máquina de extermínio no coração da Europa que matou 6 milhões de judeus inocentes e também homossexuais, ciganos e outras minorias. O discurso de ódio e a defesa do discurso de ódio trazem consequências terríveis para a humanidade, e o nazismo é sua maior evidência histórica”, diz a nota.
A Federação Israelita de São Paulo se pronunciou na mesma linha. “Monark insistiu que suas falas estariam escudadas no princípio da liberdade de expressão, demonstrando, a um só tempo, desconhecer a história do povo judeu, e a natureza de um princípio constitucional essencial, muitas vezes deturpado por aqueles que insistem em propagar um discurso que incita o ódio contra minorias”, escreveu a federação em nota.
Também começou a crescer nas redes sociais a pressão para que patrocinadores do podcast retirem recursos do programa. O Judeus pelo Brasil cobrou que o grupo Sleeping Giants tome a frente da mobilização para que as empresas que apoiam o programa encerrem os contratos. A Mondelez Brasil, dona da marca de chocolates Bis, por exemplo, divulgou em suas redes sociais uma nota de repúdio a manifestações nazistas, racistas ou discriminatórias. A empresa também alega que patrocinou apenas dois episódios no ano passado e que já solicitou ao Flow a retirada da marca, citada entre os patrocinadores do podcast.
O Flow vem ganhando destaque no cenário político ao trazer pré-candidatos às eleições de 2022. Sérgio Moro (Podemos) e Ciro Gomes (PDT) participaram recentemente do programa. Como mostrou o Estadão, presidenciáveis e políticos em geral têm recorrido aos podcasts como alternativa para expor suas ideias num ambiente menos formal e crítico do que entrevistas a veículos tradicionais de imprensa, por exemplo. (Por Davi Medeiros/Estadão Conteúdo)