Após identificar pontos inconstitucionais no edital de chamamento de Organizações Sociais (OSs) para administrar 23 escolas em Goiás, o Ministério Público Federal, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) e o Ministério Público de Contas do Estado recomendaram o adiamento da convocação até que as irregularidades sejam solucionadas.
A recomendação, divulgada hoje (16), foi feita à secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira. O governo goiano tem dez dias para se manifestar.
De acordo com os promotores e procuradores, a iniciativa do governo de Goiás fere a valorização dos profissionais de educação, estipula valores a serem repassados às entidades sem divulgar os critérios utilizados na definição, foi estabelecido sem diálogo com a comunidade escolar, entre outros.
“Chegamos à conclusão que o projeto referencial é inconstitucional”, disse o promotor do MP-GO Fernando Krebs, um dos que assinam o texto. “Vai piorar a qualidade da educação. Vai promover a terceirização, a privatização às avessas da escola pública”, acrescentou.
O edital de chamamento das OSs foi publicado no fim de dezembro do ano passado. Ontem (15), ocorreu a abertura de envelopes com as propostas. Nenhuma das dez organizações participantes entregou a documentação completa. Uma nova sessão foi agendada para o próximo dia 25.
“Se o edital não for suspenso, vamos recorrer à Justiça e pedir uma decisão liminar”. Caso o edital não seja adiado, a intenção é levar a questão ao conhecimento da Procuradoria-Geral da República para uma eventual ação direta de inconstitucionalidade.
Irregularidades
De acordo com a recomendação dos ministérios públicos, ao abrir possibilidade de 70% dos docentes e até 100% dos servidores administrativos das escolas geridas por OSs serem empregados privados, o edital viola a determinação constitucional de valorização dos profissionais da educação. Além disso, segundo os procuradores, a contratação de docentes para o ensino público só pode ocorrer por meio de concurso.
Os valores dos repasses às OSs também são questionados na recomendação. O edital de chamamento não deixa claro quanto será transferido para as entidades, apenas estipula que o valor mínimo de repasse por aluno será de R$ 250 e o máximo, de R$ 350. De acordo com os ministérios públicos, os valores são muito diferentes dos praticados atualmente e o governo do estado não explicou os critérios utilizados para defini-los.
Outra ilegalidade do edital, segundo os MPs, é a previsão de repasse de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para as OSs, destinando a verba a despesas com o pessoal que prestará o serviço educacional.
Os promotores e procuradores argumentam que a Lei 11.494/2007, conhecida como Lei do Fundeb é clara ao estabelecer que os recursos só podem ser aplicados no pagamento da renumeração de profissionais da educação no efetivo exercício do cargo e que integrem a estrutura do Estado, ou seja, que sejam concursados.
Os integrantes dos MPs apontam ainda uma série de problemas quanto às OSs da área de educação que foram credenciadas pelo estado de Goiás para participar do edital. Na análise dos promotores e procuradores, nenhuma das 11 organizações qualificadas para o certame atende aos requisitos previstos na legislação. Em várias delas, os responsáveis respondem a processos judiciais, inclusive criminais, o que atenta contra a exigência de idoneidade moral, por exemplo.
A recomendação questiona ainda a capacidade profissional de algumas OSs e destaca que há, inclusive, o caso de uma que tem como responsável um médico veterinário, que não apresenta histórico de atuação na educação. A recomendação, na íntegra, está disponível na internet.
Procurada, a Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte de Goiás (Seduce) diz que aguardará ser oficialmente notificada antes de se pronunciar.
Organizações Sociais
A partir deste ano, Goiás começará a transferir a administração de escolas estaduais às OSs, que são entidades filantrópicas. O modelo, que já é aplicado no sistema de saúde do estado é inédito no Brasil em escolas, segundo a própria administração goiana. A implantação começa em 23 escolas e deverá chegar a 200 até o final do ano.
O modelo goiano prevê a assinatura de uma parceria para que os repasses públicos sejam feitos às entidades, que ficarão responsáveis pela manutenção das escolas e por garantir melhores desempenhos dos estudantes nas avaliações feitas pelo estado. Elas também poderão contratar professores e funcionários. O quadro de professores efetivo será mantido.
Desde a divulgação, o projeto gera polêmica. Estudantes e professores chegaram a ocupar 28 escolas e a sede da Seduce em protesto.