No dia marcado para o início das conversas sobre imigração e segurança entre EUA e México, o ministro das Relações Exteriores mexicano afirmou nesta quarta-feira (22) que o país não aceitará a nova política imigratória do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“Quero dizer enfaticamente que o governo do México e o povo mexicano não deve aceitar disposições impostas unilateralmente por um governo a outro”, disse Luis Videgaray.
O chanceler mexicano se referia à nova orientação da política de imigração do presidente Trump, que vai ampliar os alvos de deportações e pretende deixar imigrantes latino-americanos detidos em centros no México enquanto aguardam audiências.
“Não aceitaremos isso, porque não há nenhuma razão pela qual deveríamos, e porque não é do interesse do México”, concluiu Videgaray.
A declaração foi dada horas antes da chegada à Cidade do México do secretário de Estado americano, Rex Tillerson, e do secretário de Segurança Doméstica, John Kelly, para conversas sobre imigração e segurança com o governo mexicano nesta quarta e quinta-feira (23).
Os mexicanos temem que campos para deportados e refugiados venham a surgir ao longo da fronteira norte de seu país, por conta do plano do governo Trump de começar a deportar para o México todos os latino-americanos e pessoas de outras nacionalidades que tenham entrado ilegalmente nos EUA passando pelo México.
A política anterior dos EUA dispunha que apenas cidadãos mexicanos fossem devolvidos ao México. Os imigrantes não mexicanos eram encaminhados aos seus países de origem.
Agora, sob uma revisão abrangente das normas de imigração anunciada nesta terça (21) pelo governo Trump, os imigrantes podem ser devolvidos enquanto seus pedidos de asilo ou processos de deportação tramitam nos EUA. As autoridades americanas não disseram o que esperam que o México faça com essas pessoas.
O único consenso até agora no México é o de que o país não está preparado para lidar com as novas medidas.
“De forma alguma, em nenhum aspecto”, disse o reverendo Patrick Murphy, padre que comanda as operações da Casa del Migrante, um abrigo na cidade fronteiriça de Tijuana que, no momento, abriga cerca de 55 imigrantes haitianos. Eles eram parte de uma onda de milhares de imigrantes que acorreram à fronteira nos meses finais do governo Obama, com a esperança de obter asilo nos EUA.
Tijuana não estava preparada, e embora o governo pouco tenha feito, uma série de organizações cristãs privadas entrou em ação para criar abrigos com barracas, leitos e instalações sanitárias improvisadas. Alimentos doados garantem a sobrevivência dos haitianos.
Os mexicanos se assustam com a ideia de lidar não com milhares mas com centenas de milhares de estrangeiros em uma região fronteiriça que já enfrenta dificuldades com as quadrilhas de traficantes de drogas e a violência.
“Veja o caso dos haitianos de Tijuana, estamos falando de quantos deles, 7.000 ou 8.000?”, afirmou Alejandro Hope, analista de segurança radicado na Cidade do México. “Agora imagine uma situação envolvendo 10 ou 15 vezes mais pessoas. Não haveria recursos suficientes para mantê-los.”
Não está claro que os EUA tenham a autoridade de forçar o México a aceitar pessoas de outras nacionalidades. O memorando do Departamento de Segurança Doméstica dispõe que o órgão obtenha informações sobre a assistência de Washington ao México, um possível sinal de que o governo Trump planeja usar essas verbas para forçar o vizinho a aceitar os estrangeiros.
“Espero que o México tenha a coragem de dizer não a isso”, disse Murphy.
Victor Clark, diretor do Centro Binacional pelos Direitos Humanos, em Tijuana, disse que o México pode simplesmente se recusar a aceitar deportados não mexicanos. “Eles entram no país um a um, e quando o agente de imigração mexicano identificar uma pessoa como não mexicana, ele dirá ao seu colega americano que não pode aceitar aquela pessoa porque ela não é mexicana, e a devolverá aos Estados Unidos.”
Hope disse que a nova política dos EUA poderia criar uma “situação explosiva”, apontando que na região da fronteira norte mexicana já existe algum sentimento de xenofobia, e que imigrantes centro-americanos de passagem pelo país já foram recrutados, às vezes à força, para organizações criminosas como os Zetas e o cartel do golfo do México.
Os Estados Unidos poderiam pagar pela construção das instalações requeridas. Haveria precedentes para um acordo desse tipo. A Turquia fechou acordo para alojar imigrantes sírios destinados à União Europeia em troca de pelo menos US$ 3 bilhões em assistência.
“Para que isso seja politicamente aceitável no México, teria de haver pagamento”, disse Hope. “Nenhum governo mexicano poderia aceitar esse tipo de coisa se ela não viesse acompanhada por bilhões de dólares.”
Em audiência com senadores mexicanos, o novo embaixador do México em Washington, Gerónimo Gutiérrez, afirmou que “obviamente as novas regras são causa de preocupação para o departamento de relações internacionais, para o governo do México e para todos os mexicanos”.
Mas Gutiérrez elogiou a divulgação dessas normas antes da visita de Tillerson e Kelly ao México, lembrando que essa atitude representa “uma posição muito mais franca e honrosa, a divulgação dessas posições com antecedência para que possam ser discutidas”.
Não existem precedentes para campos de refugiados como esses no México.
Nos anos 1980 e 90, o México recebeu cerca de 46 mil guatemaltecos que estavam fugindo da guerra civil. Com a ajuda das ONU, campos foram estabelecidos nos Estados de Chiapas, Campeche e Quintana Roo, no sul do país.
Quando acordos de paz foram assinados na Guatemala na metade dos anos 90, quase 43 mil refugiados e seus filhos voltaram para casa, mas outros 30 mil refugiados e seus filhos nascidos no México optaram por ficar.
A mesma coisa pode acontecer com quaisquer imigrantes alojados no México. Os haitianos acorreram a Tijuana no ano passado em busca de asilo nos EUA, mas de janeiro para cá pararam de solicitar, depois de serem informados de que os pedidos de outros haitianos estavam sendo recusados e as autoridades americanas estavam devolvendo essas pessoas ao Haiti.
O reverendo Patrick Murphy estima que os 3.000 haitianos que continuam em Tijuana decidiram em sua maioria solicitar asilo no México. Ele disse que muitos latino-americanos poderiam fazer o mesmo. “Como você sabe, muitos centro-americanos prefeririam ser deportados ao México que de volta aos seus países.” (Folhapress)